De: Carlos Cidrais - "Algumas notas ao que a Cristina Santos expôs no seu post desemprego de licenciados"
A sugestão de que os licenciados devem ser empreendedores (para que de alguma forma não se queixem do contexto com o qual se deparam) é algo ingénua. Posso falar sobre o assunto com a liberdade de anos de actividade como (ex)sócio-gerente de uma micro empresa de pós-produção de vídeo no Porto, através da qual fiz genéricos para o Porto Canal, websites, cd-roms, design de posters, e criação de vídeo para concertos e discotecas, entre outro material audiovisual.
Para além do facto de que criar empresas custa dinheiro ao qual nem todos têm acesso, exigindo assim o assumir de um risco que muitos não tem capacidade (ou sequer inclinação psicológica) para aceitar, não nos devemos esquecer que as empresas existem num contexto maior, onde existem fornecedores, concorrentes, parceiros e clientes, estando ainda aqueles que se predispõem a criar empresas a abdicar de subsídio de desemprego se a coisa der para o torto, manter (mesmo que não haja lucro) despesas como contabilidade organizada, licenças de software, rendas, etc.
Por outro lado, o meu curso de licenciatura foi criado numa altura em que se falava na criação de um media park no Monte da Virgem (ainda alguém se lembra disso?) onde iriam existir empresas de produção de conteúdos, pós-produção, canais de televisão, etc.
Passados 10 anos, estamos pior. A RTP passou para Lisboa a pouca produção de conteúdos que existia no Monte da Virgem. Existem redacções que não são mais que departamentos regionais, empresas de pós-produção nem vê-las - e uma concentração das empresas da área em Lisboa... Hoje a moda é falar de cidades criativas e criam-se agências para o desenvolvimento, comissões, fazem-se reuniões, criam-se clusters, media parks... e continuo a ver poucos ou nenhuns resultados práticos (tenho Zon aqui em Londres e continuo atento ao panorama audiovisual português).
Falar é muito bonito, atirar a responsabilidade para aqueles que se queixam ainda mais fácil, mas tendo eu tido experiência de estar em duas regiões (Porto e Londres), posso falar-lhe com experiência do que é abrir actividade num contexto onde o sector de actividade esta estabelecido, representa uma parcela significativa da economia, e é encarado com seriedade por todos os actores do universo empresarial (fornecedores, concorrentes, parceiros e cliente ) ou tentar fazê-lo quando nada existe. Esta é a minha experiência, e como é óbvio específica do meu ramo de actividade, mas acredito que qualquer outro recém-licenciado que se proponha fazer o mesmo em áreas que não estão estabelecidas se depare com um panorama semelhante.
Em suma o sentido do meu texto anterior em resposta a José Ferraz Alves, era de que precisamente o que está a acontecer irá continuar a acontecer, mas não é necessariamente uma desgraça, ou sequer algo que nos deva surpreender. Se entendermos o território europeu como uma união (à semelhança dos EUA - com as devidas salvaguardas) observamos que da mesma maneira que nos Estados Unidos algumas áreas de actividade estão concentradas em Los Angeles ou Nova Iorque e as capitais de estados mais pequenos têm a mesma dificuldade em fixar profissionais qualificados, também na Europa se começa a assistir a fenómenos migratórios para áreas onde as oportunidades profissionais existam. Nada mais natural. O que gostaria de ver a acontecer no entanto era Portugal (e o Porto) a aproveitar o que faz melhor, e a destacar-se no espaço europeu por actividades que lhe sejam especificas (seja o Vinho do Porto, o turismo, ou qualquer outra) - já que pelo menos na minha área de actividade não será em breve que tal acontecerá, o que aceito com naturalidade.
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Carlos Cidrais