De: Carlos Cidrais - "É assim que o Porto trata os seus licenciados?"

Submetido por taf em Quarta, 2009-10-21 14:37

Em resposta ao tópico de José Ferraz Alves - "É assim que o Porto trata os seus licenciados?", gostaria de deixar o meu testemunho, já que sou licenciado, jovem e (ex)-portuense.

A minha família está no Porto há 4 gerações, e foi com pena que findo o meu mestrado em Animação por Computador (na U. Católica) tivesse de abandonar a cidade que me viu crescer e onde ficam família e amigos. Ao que foi dito no testemunho da Márcia Mendes, tenho apenas a acrescentar que não entendo que é exclusiva do Porto a falta de oportunidades qualificadas e bem remuneradas, já que mesmo em Lisboa não vejo um panorama que seja equivalente ao que se encontra em outras capitais europeias.

Aliás, o salário médio de 900 euros (na zona de Lisboa), quando comparado com o salário médio de 700 (zona Norte) parece-me apenas um ajuste para acomodar os preços de rendas, que são na região de Lisboa mais altas que no resto do país. Em suma a situação profissional para licenciados (especialmente em áreas que não sejam engenharia ou medicina) é de forma geral péssima em qualquer região portuguesa. Até haverá anúncios para empregos qualificados na região. Mas será que o panorama profissional é substancialmente melhor?

Na area especifica na qual trabalho (efeitos visuais para cinema) não há qualquer oportunidade, em qualquer ponto do país, pelo que a minha escolha foi fácil. Rumei a Londres, onde hoje trabalho. Para quem fica, a regra entre os meus amigos, da minha idade e com formações análogas, é estarem deslocados da área de formação, trabalhando em larga maioria a recibos verdes, e inevitavelmente auferindo rendimentos abaixo dos 1000 euros. Muitos vão para Lisboa mas as expectativas deles são estas. Convenhamos para alguém que gastou milhares e milhares e euros em formação, em licenciaturas pré-Bolonha de 5 anos e mestrados que demoram pelo menos outros 2, é muito pouco. A progressão na carreira não existe, os projectos aliciantes são raros e a sensação geral e a de que vigora uma mentalidade do "salve-se quem puder" (e quem for esperto).

Entretanto liga-se a televisão portuguesa e em 2009 fala-se de nacionalizações e da recusa da CIP em aumentar salários mínimos para que estes acompanhem a evolução do limiar de pobreza. E inacreditável o grau de divórcio da realidade da generalidade dos nossos actores políticos e económicos. Da minha parte alimento poucas esperanças que a situação melhore, quer em breve, quer a prazo. Mas gostava de ouvir propostas credíveis e concretas. Sei que temos aqui vários leitores ou com responsabilidades políticas ou pelo menos com um protagonismo que lhes dá peso para influenciar a opinião pública. Sendo assim, continuo à espera que o problema seja não apenas consciencializado, mas também que haja uma discussão que se proponha a enfrentá-lo e de onde possam surgir planos de acção exequíveis.

Amando o meu país e a minha cidade fui obrigado a fugir (a palavra, sendo chocante, é a correcta) para ter acesso a uma sociedade na qual possa trabalhar na minha área de formação, auferir um rendimento digno, planear o futuro com alguma (nunca demasiada) segurança. Cada vez será mais assim, penso que a minha geração tem, apesar de tudo, uma visão mais global que anteriores e não há hoje qualquer restrição a um jovem em movimentar-se dentro da União Europeia. Sendo assim há cada vez menos razões para tolerar contextos onde haja falta de perspectivas profissionais e um fluxo migratório para onde estas existam.

Para concluir, enquanto não for possível a um jovem ter um projecto de vida, com base no seu percurso profissional, as cidades portuguesas irão continuar a degradar-se e a esvaziar-se. Independentemente de ser no Porto ou em Lisboa.
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Carlos Cidrais