De: Ricardo Vale - "Origami passarinho"
O tema antiquado se o graffiti é arte ou vandalismo é tão batido e aborrecido que já não merece atenção. Obviamente que pela sua história já está provado que é arte quando realizada com talento. Como qualquer outra arte depende dos olhos do espectador, consequentemente da sua cultura. Há ainda muita gente que quando olha um Malevich afirma a boca cheia que "aquilo até eu faço" ou "parece as pinturas das crianças".
Obviamente que me irrita profundamente ver as tais tags ou seja os nomes dos "artistas" pela cidade, como um rabisco que marca território, e por vezes em obras que são património importante da cidade, deixando-o arruinado. Outras tags não incomodam tanto, afinal de contas o "artista tem que começar por algum lado". Temos arquitectos e senhores importante que também cometem atentados contra o património e deixamos andar, basta penarem em certas obras arquitectónicas dentro da cidade, e outras que se querem fazer como nos jardins do Palácio. Mas isso é outra história para outra conversa.
Não faço graffiti, não sigo nenhum desses movimentos, mas conheço a Travessa de Cedofeita. No momento pesa-me ver algumas daquelas obras desaparecer. Não feriam os olhos, pelo contrário, possuíam beleza, eram activistas, caracterizavam aquele espaço e vai tudo desaparecer como a mostrar que os graffitis e a Intervenção Urbana ainda não é bem vista pelos Portugueses. Lá fora até já houve exposições em museu convencional com um artista de grafitti (Banksy) que durante anos pintou em lugares proibidos e em propriedade alheia. Nós negamos algo que tudo que seja criatividade e tentativa de expressão pessoal. O passarinho Origami como a Sra. Vânia Castro baptizou, é conhecido como Tsuru. Este está espalhado por toda a cidade do Porto, em diversos spots, desde paredes, aos baldes do lixo, bancos ,etc. Está por toda a parte! Quem olhar com olhos de ver vai reparar que quem o está a fazer deixou-os numerados como por exemplo 300/1000. O artista está a realizar esta intervenção não para vos irritar mil vezes mas tem um objectivo, uma crença pessoal que deve ser levada em conta.
"O grou, ou tsuru como os japoneses o chamam, é uma ave pernalta que freqüenta as lagoas ao norte da ilha de Hokkaido, no Japão. Tradicionalmente, esta ave está relacionada à longevidade e sua figura, através do origami, é bastante popular nos casamentos e festas onde simbolizam a saúde e fortuna."
"Diz uma lenda que quem fizer mil tsurus, com o pensamento voltado para aquilo de deseja alcançar, vai alcançar seu desejo."
Em 1955 uma menina japonesa de 12 anos chamada Sadako Sasaki teve leucemia por causa da radiotividade em Hiroshima (falar de destruir propriedade alheia...). Aconselhada por uma amiga começou a fazer os tsurus, a menina não completou a tarefa de chegar aos mil e acabou por morrer. Os seus colegas de escola completaram o número e decidiram fazer uma campanha para que edificassem um monumento que homenageasse as crianças feridas ou mortas pela bomba. O edifício foi construído e baptizado de Torre do Tsurus. Portanto, existe um enorme simbolismo naquilo que este artista está a fazer, talvez da próxima vez que olhemos para aquele "origami passarinho" o vejamos com outra atenção, e pensemos que o pior da cidade não vem dos graffitis, talvez sirva para pensarmos quem são os verdadeiros Vândalos que pretendem saquear a cidade.
Ricardo Vale