De: Ricardo Coelho - "Surrealismos em torno do Palácio"
A discussão em torno do projecto para os Jardins do Palácio ganhou já contornos surrealistas neste blog. Primeiro, José Paulo Andrade descreve estes jardins, tão preenchidos de gente nos fins-de-semana que até deixei de ir para lá estudar nestes dias, como "um pequeno jardim local, actualmente não muito utilizado". Depois, Alexandre Burmester exprime o seu saudosismo pelos tempos em que se podia livremente deitar árvores abaixo, maltratar animais e bater em crianças - talvez este saudosismo explique porque encara a obra com o mesmo respeito demonstrado pelo património da cidade que tiveram os responsáveis pela demolição do Palácio de Cristal.
O surrealismo da discussão demonstra-se ainda nos argumentos dados na defesa da nova construção nos Jardins do Palácio. Fala-se como se não existisse já um centro de congressos no Porto. Fala-se como se não houvesse outro espaço para construir na cidade, sem destruir um jardim. Fala-se como se os empresários fossem flores preciosas que precisam de centros de congressos por todo o lado, de forma a não terem de se deslocar longas distâncias. Fala-se como se o Porto se resumisse à cidade do Porto e como se a utilização da Exponor ou do Europarque para congressos empresariais fosse uma desonra para os portuenses.
Mas queria intervir sobre um recente post de José Paulo Andrade. Esta contribuição superou já o surrealismo e entrou no domínio do cubismo. Apenas com uma percepção muito errada do espaço se pode pensar que o novo edifício nos Jardins do Palácio terá uma capacidade quase seis vezes superior à da Alfândega. Na realidade, consultando os documentos do projecto, vemos que logo na primeira página do projecto de arquitectura se refere que o novo espaço terá uma capacidade para 1200 pessoas sentadas (duvido que caibam mais 5800 de pé...). Ou seja, teremos dois edifícios de congressos com exactamente a mesma capacidade a uma distância minúscula (1,3 km, segundo o Google Maps).
O Pavilhão Rosa Mota é demonstrativo da forma de pensamento terceiro-mundista que tem sido característica dos governantes portugueses. Foi inaugurado antes de as obras estarem completas, para albergar um campeonato de hóquei em patins, e ficou ao abandono durante cinco décadas. Tal como aconteceu com os estádios construídos para o Euro 2004, para dar apenas um exemplo, uma obra que prometia projectar o nome de Portugal na Europa acabou por ser apenas mais um desperdício de dinheiros públicos. Que agora se pretenda endividar a Câmara para recuperar o Pavilhão e entregá-lo a troco de quase nada a privados mostra que os nossos governantes não aprenderam com a história. E nós, aprendemos?