De: F. Rocha Antunes - "Discutir o projecto do Palácio de Cristal"
Meus Caros,
Não há nada como uma boa discussão para se perceber que a ideia que cada um de nós tem da cidade não é igual à de todos os outros. Desde o não-mexam-em-nada -que-está-tudo-muito-bem -como-até-aqui ao ressuscitar da Revolução do nosso JPV já se leu de tudo. Eu vou acrescentar mais um ponto à discussão na esperança de não ser apenas mais uma acha para a fogueira.
Acho que nos estamos a esquecer de um detalhe eventualmente relevante: o edifício do Palácio de Cristal, posteriormente crismado de Pavilhão Rosa Mota, não cumpre a sua função principal de pavilhão multiusos compatível com as exigências actuais. Não tem uma acústica compatível com os níveis mínimos de qualidade para concertos de qualquer tipo, não é um espaço seguro e eficiente no acolhimento de eventos desportivos e não é capaz de assegurar a polivalência com o nível de operacionalidade compatível com regras eficientes de gestão. Por isso precisa de obras de readaptação profundas.
Eu sei que a esta altura muitos dos que me lêem acham que isto é palavreado de gestor, mas isto tem a ver com um valor importante que se chama sustentabilidade: se um edifício não serve adequadamente os fins para que foi criado, então a melhor forma de utilizar os recursos colectivos é precisamente fazer as alterações necessárias para que volte a ter sentido útil. Fazer de forma diferente é um enorme desperdício de recursos.
A seguir a perceber-se que a readaptação de um edifício às exigências actuais é, portanto, o que é ecologicamente mais racional, deve-se reduzir ao mínimo o impacto que essa adaptação tem. Para medir a razoabilidade do impacto pode-se utilizar uma regra sensata: não se deve deitar abaixo uma única árvore que não seja indispensável fazê-lo, nem se deve deixar de fazer a readaptação por causa de uma árvore que seja. Assim, o que devemos aprender a discutir não é, como aqui bem foi recordado, se se deve ou não fazer a readaptação, mas sim se a mesma está a ser feita com a contenção adequada a um local público, sem perder de vista a ideia base: a indispensável readaptação funcional do espaço. Não é aceitável que se deitem árvores abaixo sem necessidade. Mas também não é aceitável que se tenha um equipamento no centro da cidade e que não se proceda à respectiva readaptação para não tocar em nenhuma árvore, mantendo um equipamento disfuncional que não está a ser aproveitado para os fins públicos para que foi construído.
O melhor exemplo que aqui foi trazido foi o da Biblioteca Almeida Garrett, que soube respeitar o valor do jardim e acrescentou uma vivência muito importante ao equipamento no seu conjunto. Se alguém hoje estivesse a propor-se fazer esse edifício enorme, o que diriam os actuais participantes nesta discussão? que era desnecessário, que ia arruinar o ambiente que se vive no jardim? Eu acho que ficou muito bem e que foi o que salvou o jardim, ao trazer tantos novos utilizadores qualificados.
Francisco Rocha Antunes
observador e frequentador assíduo do jardim