De: José Ferraz Alves - "As contas da CP Porto"
O Rui Rodrigues tem trazido aos debates relacionados com os transportes aquilo que mais tem faltado no país. Conhecimento e análise, destituídos de paixões e interesses, pelo que sou um dos que está muito reconhecido e agradecido pelo seu contributo técnico e fundamentado, que sempre tem trazido para os muitos debates no país relacionados com os vários tipos de transporte.
Reporto-me à notícia no Local Público, "CP Porto transportou em 2008 mais 1,3 milhões de passageiros do que em 2007", que refere muito do que o Rui nos tem ensinado. Por exemplo, a atribuição de culpas recíproca entre CP e Refer para as suas falhas, aligeirando as suas responsabilidades, qual discussão entre trolha e carpinteiro na presença do dono da obra quando da remodelação de uma sua habitação... E, sobretudo, a informação de uma taxa de cobertura de 60% no Grande Porto (por cada euro gasto nas suas despesas operacionais, a CP Porto recebe 60 cêntimos), quando em Lisboa é de 85%. O prejuízo no Grande Porto é de 14 milhões, contra 190 milhões a nível nacional. A minha pergunta, se a taxa de cobertura fosse de 85%, como é em Lisboa, o prejuízo seria nulo ou passaria a lucro?
Antecipando uma reunião que a Associação de Cidadãos do Porto vai promover esta semana com idênticas estruturas de Aveiro e de Braga, procurando tratar em conjunto problemas que têm sido vistos numa base demasiado local, pergunto-me se não chegou da altura do país fora de Lisboa perceber o quanto tem sido prejudicado por esta capacidade que a capital tem demonstrado de saber dividir para reinar? E que tem conseguido passar a imagem de que o Porto apenas se quer substituir a Lisboa na busca do mesmo protagonismo. Que afinal é um reconhecimento público dos seus próprios pecados. Não posso deixar passar a oportunidade de citar umas palavras de Miguel Torga ditas pelo Carlos Magno ontem à noite numa tertúlia com Elisa Ferreira: "O Porto é a segunda cidade do país, mas a primeira cidade europeia da Península Ibérica".
Desde já digo que o Porto não está nesta reunião para liderar quem quer que seja nem para se substituir a Lisboa. Estamos no tempo das redes, do trabalho em parceria, do envolvimento de todos na resolução de problemas que são de todos. Estamos no tempo de afirmação do trabalho das cidades em rede. O que significa que aqui no Porto, em Braga e Aveiro, estamos atentos ao que se passa fora das fronteiras físicas do país. Já agora, para quem nos queira conhecer, estas são as qualidades que o Porto tem de saber promover, dito por Sophia de Mello Breyner:
" Na cidade do Porto há muito granito
Entre névoas sombras e cintilações
A cidade parece firme e inexpugnável
E sólida – mas habitada
Por súbitos clarões de profecia
Junto ao rio em cujo verde se espelham as visões
Assim quando eu entrava no Paço do Bispo
E passava a mão sobre a pedra rugosa
O paço me parecia fortaleza
Porém a fortaleza não era
Os grossos muros de pedra caiada
Nem os limites de pedra nem as escadas
De largos degraus rugosos de granito
Nem o peso frio que das coisas inertes emanava
Fortaleza era o homem – o Bispo –
Alto e direito, firme como uma torre
Ao fundo da grande sala clara: a fortaleza
De sabedoria e sapiência
De compaixão e justiça
De inteligência a tudo atenta
E na face austera por vezes ao de leve o sorriso
Inconsútil da antiga infância.”
José Ferraz Alves