De: André Torres - "Erasmus e Porto"

Submetido por taf em Sábado, 2006-07-08 05:55

Ontem à noite encetei um velho desejo de regressar à Baixa um tanto ou quanto fora de horas e, para tal, ajudado pelo Metro, aquela tartaruga amarela que muitos de nós casmurros por meados dos anos 90 dissemos que seria uma visão utópica para o Porto e um delírio tamanho como colocar um tapete rolante em 31 de Janeiro.

A viagem começou na Casa da Música até à Trindade, onde mudei de linha e validei o andante para ver o Porto monumental, dos postais que ainda se podem contemplar ao vivo, ao invés da avenida dos Aliados… mas isso são outras guerras.

Atravessei a ponte, e próximo do meio já se confirmava o velho dizer popular ‘como um tolo no meio da ponte’, uma cidade escura, deserta e soturna estava prestes a abraçar-me. As luzes invictas pareciam derrotar-se ali, entrava ali numa cidade desgastada, convalescida pelas cercas de arame que teimam em ser barreiras arquitectónicas patentes e não latentes.

Nem mesmo a passagem ali junto ao comando da PSP me fez sentir mais seguro, onde os sentinelas eram alguns polidores de esquinas característicos daquelas paragens. De louvar o fluxo de turistas, um casal belga e dois casais lisboetas no elevador dos Guindais, um outro sonho que se pensava impossível no Porto e que depois da centenária tragédia se tornou ainda mais longínquo.

Fui encontrar uma ribeira derrotada do fluxo normal de turistas para o vencedor Cais de Gaia, um centro histórico inanimado, ainda com um pulso ténue dados os portuenses de gema resistentes em manter velhas tradições de espaços tradicionais, hoje consideradas capelinhas Aniki Bobó, Tá-se bem...

O regresso foi feito pelo elevador novamente, onde algumas pessoas embirravam em entrar pela saída e no interior não poupavam o segurança a questões como ‘por onde entrar’, ‘horários’ e quejandos, sendo pertinente uma questão, se nas estações de metro nos deparamos com excesso de informação, tornando-se quase oculta a percepção das zonas dos títulos de viagem, porque é que no elevador o minimalismo do branco das paredes contrasta com as interrogações dos passageiros ocasionais?

Regressado à Batalha, a passagem pelo Praça das Camélias, como se de uma viúva de Dumas se tratasse, com o seu manto encardido do espectro de terminal rodoviário inadaptado aos dias que correm, ali mesmo ao lado do Vasco da Gama onde passei belos tempos nos Campos de Férias de Basquetebol. De um eléctrico fantasma que nunca estreou triunfalmente os carris que após o café no resplendoroso mas ‘desmaiado’ Batalha constatei estarem a ser espoliados de uma entrada apoteótica na Praça da Liberdade.

Foi com mágoa que vi este Porto sentado em soleiras de portas abandonadas, um Porto que após as 19h é dos Erasmus, os únicos que cometem a ousadia de sair para a cidade e viver nela, dos sem-abrigo, dos marginais e dos voluntários que vão tentando dar a quem sobrevive no Porto uma ‘agonia’ melhor.

Tenho dito, e foi assim que tomei sentido por um Porto, com sombras de infância, das matinés no Águia de Ouro, qual cine-paraíso, das lojas encerradas em 31 de Janeiro, da cidade crua que se constrói. Uma cidade que morre, através dos edifícios que vão adormecendo o seu passado em ruínas de embalar e das pessoas que vão vagueando nas ruas, vindas de não se sabe onde, sem destino conhecido.

Foi um Porto sem sentido que me deixou acima de tudo emocionado, uma cidade do antigo bloco de Leste… cinzenta, fria, egoísta e desadaptada aos tempos que vivemos, sobretudo pelas obras permanentes.

Dignos de registo a persistência do ‘tríptico’ publicitário na praça Almeida Garrett «VESTIR BEM» «E BARATO» «SÓ AQUI» num prédio que não se apresenta de boa saúde. Destaque para a placa evocativa do jovem morto na manifestação do 1º de Maio de 1982, um detalhe oculto da cidade, assinalada no passeio do lado da estação de São Bento da Praça Almeida Garrett junto ao respiro do metro; a labiríntica entrada para a estação de São Bento (Metro) e ainda a assustadora escadaria para o terror que se tornou a antiga passagem para peões dos Congregados.

Tenho dito.
Voltemos à cidade tão querida por nós.

André Torres