De: Daniel Rodrigues - "Falar Verdade"

Submetido por taf em Quarta, 2009-03-25 18:06

Lamento dirigir-me de forma política ao blog, e se calhar ser um pouco duro, mas a revolta pelos moldes em que ocorreu o encerramento das linhas do Corgo e do Tâmega leva-me a tentar finalmente abandonar a inactividade social.

É imperativa realizar com pés, cabeça, tronco e membros, ou seja, estratégia, objectivos, planificação, concretização, um plano ferroviário nacional. Tenho de vez em quando referido algumas possibilidades pontuais (aqui, ou pessoalmente e noutros círculos), mas hoje quero dizê-lo num âmbito mais político. Chegámos a um ponto em que são inadmissíveis politiquices em torno deste tema. E há alguns pontos que gostaria de deixar claros em relação a esta intervenção.

  • 1. Um plano ferroviário nacional não passa pela alta-velocidade. São dois projectos distintos.
  • 2. A via férrea não é mais deficitária do que uma auto-estrada, um hospital, educação, a justiça.
  • 3. A CP e a Refer são as empresas mais autistas a nível nacional, e não têm qualquer escrutínio: ninguém sabe quem está à frente delas, nunca são chamadas a assumir qualquer responsabilidade, ninguém contestou os elefantes brancos que criaram (como a renovação da linha do Norte, ou os acidentes na linha do Tua).

Os partidos políticos foram responsáveis por não prestar uma atenção devida a este tema, erradamente. Não sei porquê. É um tema que poderia originar grandes ganhos políticos, que tem o apoio das populações, em que os benefícios são visíveis. É um tema no qual a diferença de investimento interior/litoral tem sido mais escandalosa, e que podia originar intervenções de oposição, senão entre PS e PSD, pelo menos pelos partidos mais pequenos. Isto não acontece por causa do deslumbramento: a classe política não anda de comboio. Não convive com a imensa massa de pessoas que, ou por não ter opções, ou pela conveniência, ou pela consciência, prefere o transporte ferroviário.

É uma área como nenhuma outra onde o efeito de rede potencia uma utilização exponencial. A simples alteração de um horário pode causar transtornos e levar ao abandono de uma linha, por falharem ligações, assim como ao tornar mais eficiente um transbordo pode multiplicar a utilização deste meio de transporte no médio prazo. A CP e a Refer preferem não ver o óbvio, ao ter alterado os horários da linha do Douro.

Chega.

Somos o país com mais auto-estradas por habitante. Somos o país em que nem todas as capitais de distrito têm ligação por comboio, mesmo que esta não seja utilizada. Somos o país em que nos deslumbramos e passamos a vida a discutir aeroportos e alta-velocidade, em que damos atenção a Freeports e Magalhães, que vive de futebol e para o futebol, que discute tudo e mais alguma coisa, mas onde a CP e a Refer são entidades que não estão sujeitas ao escrutínio, que todos os jornalistas esquecem assim que o assunto morre, que provocam mais censura em relação a relatórios e estudos.

Quero lançar aqui um apelo a diferentes pessoas que sei lerem o blog:

1. Tiago Azevedo Fernandes. Sei que está envolvido no PSD, e aparentemente gastando mais do seu tempo com problemas políticos (eleições) do que com estudos sobre os problemas dos cidadãos (talvez seja só desconhecimento da restante actividade). Apelo-lhe para que transmita ao seu partido que é urgente ter um plano ferroviário nacional, exigir uma política "Open Source" às entidades mais proprietárias do país que são a Refer e a CP.

2. Críticos dos governos centralistas, dos partidos que não governaram, do PS, PSD, PCP, PP, BE. Esqueçam o passado. Esqueçam as personalidades. Em nome de um valor mais alto, faça-se tábua rasa do que temos, comecemos a via férrea em Portugal do quase 0. Há 30 anos atrás começamos a construção da rede de infraestruturas viárias do 0. É hora de numa primeira fase fazer uma nova rede em bitola europeia que sirva o país inteiro, com o intuito de um dia mais tarde substituir também a linha do Norte, e finalizar a integração com a rede ferroviária europeia.

3. Associação Comercial do Porto, Câmaras Municipais do Norte, Governantes, Deputados, Políticos: tragam o assunto para a praça pública. Discutam-no. Façam dele uma prioridade. Coloquem-no na lista das vossas prioridades quando realizem intervenções. É necessário agir de acordo com os vossos poderes, seja de debate, manipulação (no bom sentido :-) ) da opinião pública, execução dos projectos, pressões aos ministérios responsáveis. Se não o fizerem, são responsáveis a diferentes níveis por uma enorme injustiça, e de cada vez que ouvir falar de "interioridade" e da necessidade de um desenvolvimento mais equitativo, vou saber que não passam de palavras ocas, porque falta uma componente crucial para diminuir as distâncias que estão na origem da desertificação.

4. Restantes leitores: Estejam atentos a este assunto e ajudem a dinamizá-lo: na rua, no café, no círculo de amigos, nas tertúlias. Abracem esta questão como imperativa para um melhor desenvolvimento sustentável do país.

O problema da ferrovia em Portugal não é económico, nem social, ou técnico: é nem sequer existir. Os políticos não o têm nas suas prioridades, muitas pessoas não vêem as vantagens pelo facto de as linhas não chegarem até elas, os ambientalistas não vêem na ferrovia um contributo importante para o ambiente, os estrategas nacionais não vêem uma possibilidade de diminuir a dependência do petróleo, a opinião pública não circula em qualquer linha, a União Europeia financia alta-velocidade mas não a dissocia da linha férrea convencional.

É preciso resolver este problema. Porque ele não existe.

Cumprimentos,
Daniel Rodrigues