De: Cristina Santos - "Os novos bairros"

Submetido por taf em Quinta, 2006-06-29 18:58

Será que uma casa nova, num bairro novo, pode não ter importância nenhuma na reabilitação social?

Em conversa perguntava a um senhor a razão pela qual a vida da sua família tinha piorado depois de ser transferido para o novo bairro em Ramalde.

O senhor disse-me que lhe custou deixar a ilha, que nunca tinha pensado sair de lá para um bairro social, mas que tudo era bom no Bairro, que toda a vida tinha desejado uma casa como a que lhe foi atribuída, que o bairro tem espaços verdes como não há na cidade, que há sossego e todas as condições para uma vida melhor.

... o problema é que de manhã já não ouve os barulhos de quem se levanta para ir trabalhar, nem o barulho dos carros a derrapar nos semáforos, na sua antiga ilha a vida começava às 6, nos cafés de Fernão Magalhães encontrava gente «de trabalho» com muita pressa, na ilha competiam, no novo Bairro é tudo calmo, monótono, tudo parado - «até o céu pesa».

Contou-me que as pessoas deste novo bairro não frequentavam o jardim, que não sabem o nome dos vizinhos, nem nada das suas vidas, mas que mesmo assim é um bairro, e que depois de se entrar num bairro, por melhor e mais bonito que ele seja, é impossível não sentir que foi a última oportunidade da vida, quem entra num bairro sente que está arrumado. Antes o sentimento de exclusão gerava revolta, hoje gera vergonha.

Vim embora a pensar nos que emigram e mudam totalmente de ambiente, na esposa do senhor António forte e reboluda que agora tinha uma enorme depressão, estava desempregada e parecia pesar mais de 100 kilos. Pensei nas vivendas bonitas do novo bairro, da estação do metro que fica mesmo em frente, no portão velho da ilha.
Pensei que cada vez os via menos na cidade, o senhor António faltava porque tinha que tomar conta dos assuntos dos filhos, eles são um casal novo ainda, ele trabalha há 23 anos na mesma empresa, as casas do bairro são adequadas, pequenas e em banda, e afinal o que muitos cidadãos não davam para viver no meio de uma espaço verde sem barulhos, nem cafés movimentados?
Lembrei-me do inquilino do São João de Deus que reclamava por uma habitação com quintal igual ao que tinha e achei que aquela família não tinha razões de base para se sentir tão acabrunhada.

Deduzi que a esposa do senhor António ficou deprimida, engordou e perdeu o emprego, por isso é que o senhor António parecia falar como quem tem 80 anos, e isso nada tinha que ver com o conceito «bairro».
Só não percebi porque é que fiquei com a sensação que se tratava de um casal de idosos, reformados, que não eram os mesmos, o senhor António dantes só falava o essencial, o mínimo, quase nos atendia com duas pedras na mão e agora até me parecia um filósofo?!

À noite concluí que os confundi com qualquer outro casal de um bairro novo, tenho a certeza que não eram os mesmos.
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Cristina Santos