De: José M. Varela - "Ideias Peregrinas"
Quando se começa a aproximar a data das eleições surgem com frequência nos meios de comunicação social, um pouco como um ilusionista que tira coelhos da cartola, toda uma panóplia de estudos e projectos ambiciosos que nos prometem mudar de vez a face da cidade. Estes normalmente (e em muitos casos felizmente) voltam novamente para as gavetas após a realização dos actos eleitorais e são arrumados por serem megalómanos ou inexequíveis.
Vem isto a propósito dum conjunto de projectos que a Porto Vivo - SRU, talvez para disfarçar a falta de obra feita, entendeu apresentar à comunicação social onde se apresentava a ideia de se fazer um túnel de estacionamento sob a Rua de Mouzinho da Silveira. O problema é que se via logo que se tratava duma ideia mal alinhavada ou dum esboço feito em cima do joelho, uma vez que ignorava qualquer estudo do subsolo da rua. Mas não são necessários estudos geotécnicos especialmente aprofundados para se saber que sob o pavimento da actual Rua de Mouzinho da Silveira corre, a pouca profundidade, sob um aqueduto em pedra, um dos mais significativos cursos de água do Centro Histórico do Porto, conhecido como o "Rio da Vila". Este rio era tão importante na antiguidade que serviu mesmo como linha delimitadora do Couto do Porto quando, no séc. XII, D. Teresa fez a sua doação ao Bispo D. Hugo.
É preocupante ver a ligeireza e a falta de rigor (apesar desta Câmara) andar sempre a apregoar o seu grande rigor) com que são feitos e apresentados este "projectos" pela SRU, quando nada é dito sobre eventuais soluções técnicas que solucionem o problema óbvio da existência dum rio, sujeito a grandes variações de caudal conforme a pluviosidade, no lugar onde se propõem fazer um túnel. Será que se propõem desviar o Rio da Vila para a água começar a minar as fundações dos edifícios da Rua Mouzinho da Silveira?
Até ao século XIX, o Rio da Vila corria a céu aberto, desde os campos das Hortas (actual Praça da Liberdade) até ao Rio Douro, pelos locais onde actualmente se situam as ruas de Mouzinho da Silveira e de S. João. Apesar de não ser um rio muito caudaloso durante a maior parte do ano, pelo menos durante o Inverno drenaria para o Douro caudais de água muito assinaláveis e suficientes para fazerem mover um conjunto de moinhos e azenhas que existiam no séc. XVII junto à Rua do Souto e à Rua das Cangostas. Nesta época a ligação entre a Praça da Ribeira e o Morro da Sé seria feita através das importantes ruas dos Mercadores e da Bainharia.
Não é por acaso que ainda existe ao cimo desta e na ligação para a Bainharia uma pequena rua denominada de "Rua da Ponte Nova", vestígio sobrevivente da ponte que aqui foi construída no séc. XVI para permitir a passagem sobre o Rio da Vila e dar acesso à recém-aberta, por ordem do Rei D. Manuel, Rua de Santa Catarina das Flores (actualmente apenas "Rua das Flores").
No séc. XVII já se alertava para que o Rio da Vila era um vertedouro de imundícies e para a necessidade da Câmara proceder regularmente à sua limpeza. A solução encontrada, já no séc. XIX, para este problema foi a encanar o rio sob um aqueduto e construir por cima a nova Rua de Mouzinho da Silveira que se tornou a rua comercial mais importante da cidade pelo menos até ao primeiro quartel do séc. XX.
Mais do que um caso de propaganda demagógica pré-eleitoral, trata-se dum exemplo da falta de rigor com que os bens públicos são geridos na CMP e nas suas extensões orgânicas como a Porto Vivo.
De referir que desviar cursos de água pode ter consequências muito sérias, como tem sucedido num prédio que em meados da década de 80 a CMP inexplicavelmente licenciou em cima do leito da Ribeira da Granja, junto à Casa de Ramalde, desviando o curso natural da Ribeira. Actualmente em invernos de maior pluviosidade as respectivas garagens ficam totalmente inundadas com graves prejuízos para os seus moradores.
José Manuel Varela