De: TAF - "Comprar a ANA"
Na recente reunião da Associação de Cidadãos do Porto, na qual participei, debateram-se as formas de actuação cívica que podem contribuir para garantir uma gestão autónoma do Aeroporto Sá Carneiro (ASC). O José Carlos Ferraz Alves, especialista na área da banca de investimento, surgiu com uma ideia brilhante, que vou tentar explicar à minha maneira e de acordo com a minha interpretação. O que aqui escrevo, contudo, apenas me vincula a mim próprio, pois posso não conseguir ser integralmente fidedigno, ou até exprimir opiniões não coincidentes. Trata-se de um assunto em estudo, e portanto em evolução.
A defesa da gestão autónoma deriva da convicção de que a situação mais favorável para o Norte é aquela em que as opções locais não estão dependentes da necessidade de justificar os investimentos em Lisboa. Mais: acredita-se que uma obsessão por Alcochete não permita descobrir as oportunidades de negócio a Norte que aparecem com uma aposta mais séria no ASC, aproveitando por exemplo o mercado da Galiza ou a instalação de novas empresas junto ao ASC (manutenção aeronáutica, etc.). Sublinho, tal como o fez João Medina na reunião, que a questão não é saber se o ASC tem gestão pública ou privada, mas sim se essa gestão tem em conta os interesses regionais.
Notícias recentes dão conta da iminência de uma decisão governamental que não tem em conta nada disto: junta-se tudo num único "bolo" e privatiza-se a ANA! Nestas circunstâncias, a única via para defender os interesses regionais será dominar a ANA: comprá-la! Ora aqui é que entra a tal ideia brilhante, e à primeira vista completamente disparatada: vamos iniciar um processo de estudo da engenharia financeira para avaliar o interesse de comprarmos nós a ANA! São apenas cerca de 1300 milhões de euros...
Esta ideia está, à partida, condenada ao fracasso. Ou será que não? E o que é "fracassar" neste caso? Vejamos.
- Primeiro: não temos dinheiro! Mas, pensando bem, será que algum concorrente se propõe comprar a ANA com dinheiro seu? Claro que não, portanto deste ponto de vista estamos todos na mesma situação.
- Segundo: o know-how para a escolha de uma boa solução. Sejamos realistas: alguém acha que este Governo tem competência para decidir a melhor opção para um projecto destes? O mesmo Governo que defendeu a Ota até à exaustão? Não teremos nós aqui, localmente, a capacidade de reunir uma pequena equipa mais competente do que os interlocutores no Governo, por um lado, e com capacidade de se bater com as equipas de outros concorrentes pelo menos na fase inicial do projecto?
- Voltando ao dinheiro: se calhar começamos logo por esbarrar no custo (provavelmente exorbitante) do caderno de encargos. Seja. Se ficarmos por aí, pelo menos tornamos evidente, e bem divulgado publicamente, que há barreiras artificiais que se colocam nos concursos para estes grandes investimentos. E que não é por acaso que tantos deles correm mal, quando a concorrência é limitada por regras que não defendem o interesse público.
- Mas imaginemos que até se conseguia acesso ao caderno de encargos, havendo assim condições para ao menos estudar o assunto. Pois bem, são precisos cerca de 1300 milhões de euros. Se, por exemplo, a Sonae e a Soares da Costa se propuseram investir 1000 milhões de euros no ASC, então não falta muito mais para comprar a ANA. Além disso a ANA tem outros activos, que podem ser eventualmente vendidos. Não é isto que se faz tantas vezes na engenharia financeira? ;-)
Moral da história: vale a pena "entrar no jogo deles". Temos no Norte gente capaz, não nos falta "networking", o pior que pode acontecer é ao fim termos perdido algum tempo. Em qualquer caso teríamos conseguido mobilizar a sociedade civil - talvez por causa disso a privatização da ANA pudesse ser um pouco mais transparente. Mas, quem sabe, e se esta bricadeira a sério resultasse mesmo? No pior dos casos terá o mérito de colocar o tema da gestão autónoma do ASC na comunicação social. ;-)
Transcrevo abaixo um texto que o José Carlos Ferraz Alves me enviou e que irá figurar na página inicial de um livro que está a escrever, a propósito de tão frequentemente auto-limitarmos as nossas ambições.
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A solução está nas pessoas
Escrevo por mim e pelos outros. Porque a vida me ensinou que, se quisermos, não existem limites ao sonho, mas que os há na aplicação prática das ideias que resultam desses sonhos. Pelo menos para mim, pareceu-me escutar da vida que as ideias terão a aplicabilidade que resultar do poder de tomar as decisões para a sua aplicação. Ou porque quem tem poder tem as ideias, ou porque este assume as geradas pelos outros.
O meu objectivo final com este livro é chegar ao poder de quem toma as decisões. Ou, e assumo-o claramente, de vir a adquirir esse poder. Aí, espero, nunca me esquecer nem desviar dos princípios que me nortearam neste percurso de descoberta que é assumirmos um diálogo connosco próprios: o ajudar-me e aos outros. Nunca me esquecer de um conselho que um dia recebi: "nunca se esqueça de pedir discernimento para a pessoa que vê todos os dias de manhã no espelho do quarto de banho".
Há algo que sempre me perturbou. A facilidade com que sentimos que as coisas não estão bem, mas a dificuldade em encontrar a sua verdadeira razão. E, quando a encontramos, a incapacidade quase sempre demonstrada em perceber que os problemas resolvem-se enfrentando as causas identificadas. E que só dessa forma as resolveremos. Sobretudo, desviamo-nos muito rapidamente de uma linha de longo prazo que traçamos. Porque assumimos as pressões e tentações desviantes do curto prazo. E como ouvi de alguém na noite anterior a escrever estas linhas, "não se pode dizer às pessoas que aquilo que sempre defendemos no passado passou hoje a ser errado".
Estou a pensar em problemas concretos e no livro procurei apresentar ideias praticáveis. Desde já, porque entendo que poucos perceberam o cerne da actual crise financeira internacional. E, por isso, não a estão a estar a atacar no seu ponto certo. A origem desta crise não está no acesso ao crédito. Não se podem assumir alguns dos comportamentos desviantes a este nível como a regra geral. Entendo que a sua razão está na queda do rendimento disponível das pessoas. As tais pessoas que são o princípio e o fim de tudo. Então, há que combater esta queda do rendimento disponível. Por um lado, reduzindo o peso, para as pessoas, da carga fiscal e do endividamento, e, pelo outro, aumentando as suas receitas por uma maior partilha do valor acrescentado que decorrerá de um aumento da única produtividade que está em falha neste momento, a de gestão. O meu livro é sobre acções neste domínio.
José Carlos Ferraz Alves
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PS - a notícia no Público de hoje: Associação de Cidadãos do Porto interessada em candidatar-se à "compra" da ANA