De: Manuel Leitão - "«Investir» na degradação"
Caros Senhores,
É isso mesmo: "… O investimento, nestes edifícios degradados, muitos deles com várias gerações de transformação, só pode ser comparado com o investimento em arte, onde o tempo, em vez de causar erosão, só pode causar apreciação do seu valor. Quem não gosta de possuir e usufruir de uma raridade? E se essa jóia ainda puder proporcionar elevadas rentabilidades?…"
Esta "pérola", segundo parece fabricada por um dos fenómenos opinantes desta cidade, é realmente a tradução para bacoquês do que se passa na Baixa do Porto desde há dezenas de anos e que se tem agravado a cada dia que passa. Posso comprová-lo: há dias fui visitar um andar que ostenta a placa de "vende-se" bem no centro do Porto. O proprietário, que recentemente adquiriu a parcela e que sempre viveu e vive na Foz, também não tem a mínima ideia da realidade da Baixa. Disse-me que quando era garoto vinha até cá ter com os pais (que aqui tinham o seu negócio) e que achava muita graça a todo o alvoroço desta zona da cidade. Agora, já adulto e formado, algum espertalhão lhe impingiu a mesma charla do Dr. Branco e vá de investir no centro para alugar o local para escritório. Meses e meses (anos?) de espera pelos sonhados mil e muitos euros de renda sem qualquer resultado, fizeram-no mudar de táctica: agora, coloca anúncio de venda mas continua a preferir alugar, assim mo afirmou. Não vê a criatura que escritórios para alugar são às centenas na Baixa e ninguém lhes pega? Ou vê e, como o dinheiro que investiu não lhe faz falta no imediato, deixa andar (e degradar...) à espera que alguém descubra ali um belo dia, quem sabe?, um Picasso ou outra qualquer valiosa obra de arte e ele possa, finalmente, ser ainda mais esperto que o tal espertalhão... Diz quanto lhe custou o tal andar (um balúrdio!), sem cozinha nem casa de banho para habitação, e propõe-se aceitar ofertas que tenham em conta a sua natural vontade de lucrar com o negócio. Infelizmente para as suas pretensões, não vejo como - a menos que o Dr. Branco lhe encontre um dos tais investidores em arte...
Bom, é verdade que conheço inúmeros casos idênticos a este, alguns com anos e anos de escritos para aluguer de escritórios, naturalmente sabendo que esse mercado não existe. Tudo isto não pode ser coincidência: há gente que anda a "investir" na degradação da Baixa. Individuais, empresas, fundações, a própria Câmara.
Um estudo profundo desta situação é necessário e a responsabilização dos que têm andado na vanguarda desta malfeitoria é urgente. Se para as autoridades isto é muito difícil, será que o chamado jornalismo de investigação ainda existe? O tema tem muito por onde se lhe pegue, assim alguém queira contribuir para esse exercício de cidadania.
Manuel Leitão