De: Luís de Sousa - "Presente Envenenado"
Eu enquanto ex-aluno da Escola de Artes Soares dos Reis, vejo esta mudança de instalações como um ponto de viragem sem dúvida. Porém a direcção que irá tomar a partir dessa mudança é uma incógnita, o que me provoca um enorme desconforto. Tudo isto porque como devem saber a Soares dos Reis é reconhecida como uma das melhores escolas artísticas do país, e isso quanto a mim deve-se maioritariamente aos factores humanos que a compõem e não aos elementos arquitectónicos e tecnológicos de que dispõe.
O Governo assume uma posição totalmente incoerente em relação à sobrevivência deste estabelecimento de ensino de excelência, pois no mesmo ano em que o “presenteia” com novas instalações cria um clima de instabilidade junto dos docentes que leccionam disciplinas práticas e oficinais (base do ensino desta escola) por via de condições contratuais precárias que em casos específicos reduziram em 50% o vencimento de professores com mais de 15 anos de serviço. Assumo o meu receio em relação a esta mudança de instalações, tudo porque quanto a mim se terá porventura mais a perder do que a ganhar com ela.
Para quem não conhece, a Soares dos Reis tinha nas suas instalações da Rua Firmeza oficinas de melhor qualidade e melhor equipadas do que qualquer Faculdade Artística na cidade do Porto (como a FAUP, FBAUP, ESAP), o que me leva a crer que não terá sido esse o motivo da deslocalização da Escola, embora fique contente com a renovação de algum equipamento claramente ultrapassado. Outra questão que me provoca espanto é a perspectiva de um aumento em cerca de 100 vagas de acesso no próximo ano lectivo. Este não será porventura o primeiro passo para o fim da relação de cumplicidade e de conhecimento mútuo que sempre pautou a convivência entre alunos, professores e funcionários e também para o fim da filtragem qualitativa que ocorria por a procura ser maior que a oferta?
Para alguns mais desatentos a Soares dos Reis terá neste ano as suas instalações na antiga Oliveira Martins que se situa num quarteirão junto à Avenida Fernão Magalhães, a cerca de 2Km do centro. Não será também este distanciamento forçado em relação à Baixa do Porto um entrave à proximidade natural que se criava entre os alunos que frequentavam a escola e a zona histórica da cidade? Não se tornará mais difícil adquirir nestas condições toda uma série de hábitos cosmopolitas que anteriormente eram adquiridos naturalmente?
Tenho realmente medo que esta ditadura intelectual que nos domina venha com este presente “envenenar”, através da normalização e da massificação, um projecto que desde a sua fundação há mais de 120 anos sempre se valorizou e afirmou pela originalidade, irreverência e cumplicidade de todos os que dela fizeram e fazem parte.
Luís de Sousa