De: José Ferraz Alves - "Comentário ao artigo do Prof. Luís Fernandes..."

Submetido por taf em Quinta, 2008-09-04 16:28

... sobre o "Bairro do Aleixo: o Iraque do Rui Rio" (para assinantes do Público)

1. Começo por referir que concordo com a posição do Dr. Rui Rio sobre o futuro do Bairro do Aleixo. Com a sua decisão. Houvessem meios financeiros próprios, como em Lisboa para a frente Ribeirinha, e porventura a solução passaria por construir casas sociais, mais baixas, e integradas no todo envolvente.

2. E, talvez, que este processo tenha é mostrado que há que cuidar mais dos meios, nos processos de decisão. Nomeadamente a referência que é feita no artigo à questão democrática do processo. É necessário apresentar os prós e os contras dos dois cenários: o de mudar e o de manter. E submetê-lo a uma opinião e decisão dos visados. Não tenho dúvidas de que o problema do nosso país não está nas decisões erradas. Mas na persistência em querer manter "status quos". Portanto, eu considero louvável a proactividade e assumpção de risco por parte do executivo camarário e a sua sujeição a polémica. E que o Presidente da Câmara até colocou em causa o seu próprio futuro político na cidade, com esta decisão.

3. Também considero que, a exemplo dos referendos nacionais, e como nem sempre a maioria tem razão, que se deverão fazer tantos referendos quantos os necessários até que a decisão da maioria das pessoas seja favorável à saída. Até por uma razão que não tem sido apresentada. A longo prazo, nunca faz sentido ter construções em altura.

Primeiro, porque são cofres-fortes que alojam idosos fechados, sem possibilidades de usar elevadores que não funcionam.

Segundo, e que este problema nem é exclusivo das classes sociais mais débeis. O que vai acontecer com a necessidade de recuperar e reabilitar tantos prédios que têm sido construídos, em que juntam dezenas de famílias da classe média, em que se vai exigir solidariedade na repartição das despesas? Uns podem suportar esse encargo. Outros não o podem.

Terceiro, foi um grande erro criar moeda e riqueza aparente em processos de decisão administrativos quanto à capacidade de construção, sem cuidar da prévia reabilitação do que já estava edificado na altura. Sempre a primazia do curto sobre o longo prazo. E de alguns sobre o todo.

Quarto, onde também não houve democracia foi no processo de decisão da construção!

4. Também quero enaltecer o exemplo de vida do Prof. Luís Fernandes. Que tem toda a legitimidade, competências e conhecimentos para ser lido e escutado. E que é brilhante na forma como identifica o problema da falta do poder.

Aliás, toda a nossa sociedade foi aparentemente construída baseando o poder na supremacia financeira e económica. E aqui gostaria de acrescentar ao Prof. Luís Fernandes que as pessoas se esquecem que há um poder ainda maior. O do mérito, da inteligência, da competência, do trabalho, do empenho cívico. O que é preferível? Ter o dinheiro e não ser reconhecido pelos outros. Ou não o ter, mas ser ouvido e apreciado pelos outros. Temos na cidade bons exemplos, quer de um, quer de outro.

Portanto, qualquer cidadão tem poder. Só depende de si. Da força com que defende aquilo em que acredita. E cada um dos cidadãos do Bairro do Aleixo tem esse poder nas suas mãos. Como referi, o nosso Presidente da Câmara colocou-se sob esse poder e em risco, por querer fazer. Era mais fácil, para ele, ter esperado.

5. Sobre a questão de uma política social. Muitas vezes há uma prática social evidente, sem ser necessário ter de a fundamentar com linhas programáticas prévias e teóricas. E os bairros sociais são guetos. Que não possibilitam beneficiar da riqueza da diversidade. A propósito, ainda recentemente, sobre a criação de escolas específicas para crianças sobredotadas respondia o filho de um prémio Nobel. “mas, se formos para escolas preparadas só para nós, como posso ajudar aqueles meus colegas que têm tantas dificuldades de aprendizagem?"

6. E aqui entra um último aspecto, o da necessidade de saber criar políticas sociais que ensinem a pescar, em vez de darem o peixe. Não me alongo neste tema, para já. Mas Nova Iorque e a Fundação Rockfeller sabem bem o que isso é.