De: António Alves - "Gato por Lebre"
Como qualquer pessoa com alguns conhecimentos sobre caminho-de-ferro já concluíra, tudo indica que a linha Lisboa-Madrid não será em alta velocidade (350 km/h) mas sim em velocidade elevada (250 km/h). Os espanhóis no seu plano de infra-estruturas (PEIT) sempre classificaram a ligação a Lisboa, via Badajoz, como uma linha para tráfego misto. Ora, como não existem linhas para tráfego misto que comportem, por razões técnicas e de manutenção demasiado dispendiosa, comboios de alta velocidade, um silogismo simples concluiria que os espanhóis nunca estiveram interessados em construir um “TGV” entre Madrid e Lisboa. Aliás, nem sequer é Lisboa que lhes interessa. Interessa-lhes sim valorizar o papel de Badajoz enquanto porta de entrada na Lusitânia e o acesso à face atlântica desta para as suas mercadorias. Só cá é que se convenceram (ou quiseram convencer-nos) que teríamos um “TGV para nos ligar à Europa”. Segundo os planos do Governo, vamos mesmo cair no ridículo de construir duas linhas até Badajoz (a do “TGV” e uma para comboios de mercadorias de Sines a Badajoz) e depois todos os comboios, sejam eles de mercadorias ou “TGV’s”, passarão a circular na mesma via Espanha adentro. Porque é que ainda nenhum deputado (de preferência do Norte) pediu ao governo uma justificação para o facto de sendo a linha do “TGV” Lisboa-Badajoz para tráfego misto, isto é, para comboios de mercadorias e passageiros, qual é a necessidade de duplicar infra-estruturas construindo uma linha só para mercadorias?
Ora bem, se o “TGV” Lisboa-Madrid a 350 km/h já seria praticamente inútil para cerca de metade dos portugueses, aqueles que vivem a norte de Coimbra, agora, com velocidades de 250 km/h, ainda pior. Ninguém que viva em Braga estará interessado em descer 350 km/h para sul e depois fazer mais 700 km (200 km para leste e mais 500 km de novo em direcção ao norte) para chegar a Madrid. Se olharem para um mapa repararão facilmente que Madrid se encontra sensivelmente à latitude de Coimbra. Será sempre mais barato ir de avião ou até de automóvel. Mas o tráfego de passageiros nem sequer é a variável mais importante. A variável mais importante é o escoamento das nossas exportações por caminho-de-ferro.
É sabido que o grosso das exportações portuguesas para a Europa tem origem nas Regiões Centro e Norte. Se nada for feito, e a ligação Lisboa-Madrid for a única, como tudo indica, a ser construída, as exportações destas regiões sofrerão um agravamento de custos pela distância superior e maior consumo de tempo que obrigatoriamente suportarão se tiverem que continuar a utilizar a Linha da Beira Alta que é em bitola ibérica e sem tracção eléctrica a 25 KV do lado espanhol, o que provoca inconvenientes rupturas de carga com as respectivas ineficiências. A nossa região terá que estar muito atenta e exigir terminantemente a construção duma via ferroviária em bitola europeia que a ligue ao eixo estratégico de Salamanca-Valladolid, seja ela a já quase virtual ligação Aveiro-Salamanca ou a reactivação da ligação pela Linha do Douro. Se esta região não perceber a importância estratégica deste desiderato arrisca-se a ficar ainda mais isolada no contexto ibérico e europeu e exclusivamente dependente da ligação através da Galiza. Que é importante, mas para outras valências que não esta.
Ontem, no programa ‘Antena Aberta’ da RTP-N, ouvi o economista Camilo Lourenço dizer que era contra o “TGV”, mas a única hipótese que admitia, em último caso, seria o “TGV” Lisboa-Madrid e nunca o Lisboa-Porto. Tenho ouvido esta opinião a muitos plumitivos de Lisboa e até em gente do Norte. Nada mais provincianamente ridículo, principalmente vindo da boca de um economista. Esta posição baseia-se apenas no facto de essa ligação se efectuar entre duas capitais. Se existe ligação minimamente sustentável para um “TGV”, porque o tráfego que gera será sempre muito superior, é o Lisboa-Porto e não Lisboa-Madrid. Os próprios estudos da RAVE o provam. Mas, como ele, eu também sou contra o “TGV”. Para o transporte de passageiros uma boa rede de ‘altas prestaciones’ seria suficiente.
Sobre este assunto recomendo a leitura de um pertinente trabalho de Henrique Oliveira e Sá publicado no Maquinistas.Org.