De: Rui Valente - "Coragem ou teste à paciência?"
Receio bem não me incluir na excelência do "público-alvo" a que o Tiago se dirigiu nos seus posts, mas se não for inconveniente para a saúde do blogue acrescentar o pensamento de um não alinhado, agradeço ao Tiago, desde logo, a admissão deste meu comentário.
Primeiro: a explicação do Tiago sobre a democracia é teoricamente correcta, mas na prática (passe o simplismo da comparação), equivale à descrição do funcionamento de um automóvel sem revelar o fundamental: que o motor é ineficaz. Não funciona. Às tantas, vou escandalizar muitos leitores da Baixa, mas só mesmo uma revolução de verdade é capaz de restaurar a credibilidade do regime democrático. Creio sinceramente que a convicção do Tiago em poder "influenciar" melhor as lideranças estando por "dentro" do partido é autêntica, mas a questão que é preciso colocar é quantos anos serão ainda precisos para encurtar a distância entre as bases e as cúpulas partidárias, até que a sua voz seja seriamente "ouvida" e respeitada? E viver no Porto, ou ser do Porto (já chegamos a este ponto), é ainda outro obstáculo que não sei se o Tiago considerou quando se filiou no PSD. O Dr. Luís Filipe Menezes que o diga...
Portanto Tiago, a sua decisão, mais do que um acto de coragem, é um enorme teste de paciência e confiança. Tiro-lhe o chapéu, mas - sem querer desmoralizá-lo - duvido dos resultados. Daqui a uns (muitos) anos, se formos ainda vivos e entretanto não ficar decepcionado com a experiência veremos os resultados. Pergunto-me: será que até lá o Tiago não se terá transformado em mais um número acomodado à politiquice, ou terá batido com a porta? Se o factor tempo for para si indiferente, então o assunto torna-se mais complicado, pois significa que ficaremos todos "pacientemente" a burilar a democracia entretanto indiferentes às péssimas condições de vida do povo, e isso é o que já temos.
Segundo: nem desonestidade intelectual pode ser (como bem refere) confundida com militância, nem militância política é sinónimo prévio de honradez. Concordo que devia ser, mas não é. A honradez da classe política precisa de ser restaurada, pode ser que o Tiago dê uma ajuda para a reconquistar... Hoje como ontem, embora o preconceito do status social ainda dê a volta à cabeça de muita gente, o que conta mesmo é o conteúdo do que se é, e exercer a política não é propriamente a actividade que hoje em dia mais respeito infunde ao povo.
Terceiro: a exposição pública do cepticismo das minhas opiniões já me rendeu uns mimos "calimerianos" aqui neste blogue da parte de uns senhores bem identificados, mas quando se dá como dado adquirido o fracasso da construção de novos partidos está a fechar-se a porta à inovação e a revelar uma concepção exageradamente conservadora do regime democrático. Os partidos de governo (PS e PSD) estão velhos, sem ideias, em vias de colapsar, não dão sinais de mudança nem mostram vontade e seriedade para dar o salto qualitativo. Os políticos têm medo de debater já a Regionalização, porque preferem submetê-lo às estratégias eleitoralistas e, só depois, quando dá jeito, ao eleitorado. Têm "medo" de discutir activa e conscientemente a descentralização, a concentração do poder mediático na capital, a ruína e o desprezo votados ao Porto, porque "temem" a perda do poder pelo poder. Esta é apenas a minha opinião pessoal, mas tão apenas como qualquer outra.
É um trabalho de formiguinha, difícil, quase utópico, mas à escala do insignificante poder que possa eventualmente usufruir enquanto cidadão, liberto de amarras partidárias inconsequentes e castradoras, vou dando o meu contributo para tentar convencer as pessoas a exigir a remodelação desta democracia. Para mim, a prioridade é essa, porque a democracia que há em Portugal é uma fraude. E se para mudar tiver que ser através de uma revolução, então que seja. A União Europeia não pode servir de almofada para democracias estéreis, falidas e sem resultados práticos na vida dos povos.
Rui Valente