De: António Alves - "A Linha do Tua: Histórias da ignomínia"
"Liberdade. Passei a vida a cantá-la, mas sempre com a identidade no pensamento, ciente de que é ela o supremo bem do homem. Nunca podemos ser plenamente livres, mas podemos em todas as circunstâncias ser inteiramente idênticos. Só que, se o preço da liberdade é pesado, o da identidade dobra. A primeira, pode nos ser outorgada até por decreto; a outra, é sempre da nossa inteira responsabilidade."
Miguel Torga, Diário XVI, Ed. Círculo dos Leitores, 2001, pgs 1566-1567
Na região, a EDP, espécie de Companhia das Índias em Trás-os-Montes, pretende construir um conjunto de novas barragens que, imagine-se, apenas acrescentam 3% à capacidade instalada para produzir energia eléctrica a partir da força hídrica. A barragem no Rio Tua acrescentará à capacidade produtiva uma verdadeira ridicularia. Mas isso não interessa, o que interessa é valorizar a capitalização bolsista da EDP – quanto mais betão espalhado pelo território melhor -, dar dinheiro aos amigos do senhor Jorge Coelho, uma albufeira a uns parolos (autarcas), que julgam que poderão lá semear uns campos de golfe nas margens, montar uns cais de encosto para umas motas de água, e, por essa via, trazer o almejado ‘desenvolvimento’ para a região. Tudo isto numa região gélida no Inverno e tórrida no Verão. O que não faltam são albufeiras em regiões com climas bem mais amenos e propícios a esse tipo de negócio.
A grande mais-valia de Trás-os-Montes não é a água em si. É a paisagem, da qual a água apenas faz parte, tanto a natural – as escarpas selvagens, todo aquele “belo horrível” avassalador - como a construída. E da construída, além do assombroso anfiteatro das vinhas do generoso, ressalta o património ferroviário. É tudo isto que, parece-me, a partir de hoje, está definitivamente posto em causa – a troco de mais uns euros no valor das acções da Companhia das Índias.
Se Portugal tivesse uma classe de engenheiros que honrasse os seus pergaminhos, a sua memória, e todos aqueles que lhes abriram o caminho na profissão, jamais alguém teria a veleidade de destruir o património inestimável, obra heróica da engenharia ferroviária portuguesa, que é a Linha do Tua. Mas enfim, são as ‘elites’ que temos.
Depois de mais de 120 anos sem um único acidente, de um momento para o outro, os descarrilamentos na Linha do Tua passaram a ser como as cerejas: vêm sempre aos pares e tendencialmente no mesmo lugar.
P.S. – Ainda acerca do Tuga: a descapitalização das empresas, as dificuldades e a impossibilidade de pagar mais, não obriga nenhuma delas a ter uma política de gestão de recursos humanos que ainda paga tributo ao senhor Frederick W. Taylor; que muitos ‘empresários’ tenham mentalidade de fazendeiros, e muitos ‘ quadros’ um imenso jeito para capatazes. Aliás, como é facilmente verificável na actuação do senhor Edil Rui Rio, e restante comandita, que, no fundo, também são produtos de uma mentalidade que teima em permanecer nesta região.
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Nota de TAF: notícia chegada entretanto - Acidente no Tua não foi provocado por problemas na linha