De: António Alves - "Ministros da gasolina"

Submetido por taf em Quinta, 2008-05-29 17:31

O meu amigo, e sempre bem informado, Dario Silva enviou-me estes dados referentes ao número de veículos automóveis segurados em Portugal. E isto a propósito de quê? A propósito do aumento dos preços dos combustíveis, obviamente. Pelo que podemos ver, existiam em Portugal, no ano de 2006, 4.206.618 veículos ligeiros segurados. O que dá, grosso modo, um automóvel para cada 2,46 portugueses. Na realidade dá uma média de 1 automóvel para cada 1,9 portugueses adultos. Incluindo, obviamente, os que não conduzem, não usam o automóvel, ou já não têm idade, por serem muito idosos, para conduzir. Daqui não viria qualquer mal ao mundo. Poderia até ser um sinal de riqueza e bem estar. Mas não é. Para milhões de portugueses a posse de um automóvel é a única forma de se deslocarem eficientemente na sua vida quotidiana. Há também muito comodismo e paradigmas culturais errados associados a esta realidade. Mas, julgo, não invalidam a desmesurada dependência de milhões de cidadãos do transporte particular. A tudo isto devemos acrescentar a também excessiva servidão das empresas ao transporte rodoviário por camião.

A escalada dos preços dos combustíveis, que não é conjuntural e, mesmo depois de corrigida a momentânea especulação, é um fenómeno que veio para ficar, coloca em causa toda esta realidade socioeconómica. O tempo da energia barata acabou. Muitos orçamentos familiares estão a rebentar pelas costuras. Às galopantes subidas das prestações mensais do crédito à habitação somam-se as cada vez maiores despesas com combustíveis. Para muitos é o descalabro. Conheço famílias a gastar 500 euros de combustíveis mensalmente.

Abordo este assunto na sequência do debate de ontem na SIC entre os candidatos à liderança do PSD. Acerca deste tema, um queria baixar o ISP, outro constituir um fundo, um outro baixar o IVA, o quarto nem sequer percebi bem o que propunha. Tudo medidas paliativas. Aspirinas que aliviam momentaneamente a dor de cabeça mas não curam nada. Nenhum deles propôs, por exemplo, levar para a frente, com carácter de urgência, o alargamento das redes de metro do Porto e de Lisboa (duma vez por todas em irrepreensível paridade), o arranque definitivo do metro em Coimbra, a implementação de uma rede de caminho de ferro ligeiro no Minho e a correcção do traçado da Linha algarvia de modo a que sirva eficazmente todo o seu litoral; a construção de uma ligação ferroviária moderna da Região Norte a Espanha e Europa para que a nossa indústria exportadora possa reduzir os custos associados à nossa condição periférica e diminuir a sua dependência do camião; ou então a promoção do uso do transporte público através de compensações fiscais (porque raio eu não posso descontar os 280 euros anuais que gasto na aquisição do meu passe mensal no IRS?); e também o anúncio de medidas que promovam o regresso das pessoas ao centro das grandes cidades, financiado a sua recuperação urbanística e aumentando a oferta de habitação a preços comportáveis, passando estas a residir mais perto do seu local de trabalho. A solução passa por preparar o país para que a maioria das pessoas possa dispensar o uso dos automóveis nas suas quotidianas deslocações entre a casa e o emprego/escola. As famílias poupariam milhares de euros anuais. Todo esse fluxo monetário poupado seria mais bem empregue na compra de alimentação (também cada vez mais cara), cultura e lazer. Todos viveríamos melhor e a economia ganharia com isso. Seria mais diversificada. A malta do lóbi automóvel teria que mudar de ramo porque a quantidade de dinheiro manter-se-ia a mesma, apenas seria aplicada noutro tipo de bens. Os impostos sobre os combustíveis devem ser baixados apenas nas duas actividades económicas cada vez mais fundamentais: a agricultura e as pescas. Acreditem: estamos a entrar numa era de regresso ao básico e fundamental.

Obviamente que nenhum dos postulantes a líder do PSD se lembrou de falar nestas coisas. Também ninguém esperaria tal de um conjunto de pessoas que toda vida foi funcionária pública ou político profissional. Pareciam quatro candidatos a ‘ministro da gasolina’. Mas este mal não é exclusivo do PSD.
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Nota de TAF: Caro António Alves, as medidas que propõe são, a meu ver, complementares de uma baixa do ISP que me parece recomendável para colocar os preços dos combustíveis em níveis próximos dos de Espanha. Já aqui me tinha referido a isso. Quanto aos candidatos ao PSD, sublinho que há um que está especialmente receptivo à participação da sociedade civil na definição das políticas a adoptar. E esse mesmo também definiu opções estratégicas onde essas preocupações estão consideradas para posterior concretização em acção governativa. ;-)