De: António Alves - "A portofobia"
Há já vários anos atrás passava, salvo erro, na TVI uma série de produção portuguesa, daquelas ao estilo americano, sobre a vida quotidiana de uma família lisboeta. Chamava-se ‘O Super Pai’. O papel principal era protagonizado pelo actor Luís Esparteiro, que encarnava um pai divorciado com 3 filhas em casa, todas ainda crianças ou adolescentes. A série era interessante, despretensiosa e bem realizada. Sempre que os meus horários me permitiam não perdia um episódio.
Uma noite, num dos episódios a que assisti, o ‘super pai’, que também era empresário do sector têxtil, recebia na empresa dois empresários do norte com os quais contava fazer um bom negócio. Na empresa trabalhava também uma senhora de ar fino e sofisticado, sócia e namorada do empresário. No correr da acção os empresários do norte lá aparecem. Dois sujeitos de fato e gravata, cabelo empastado em brilhantina e uma carregada pronúncia tentando imitar a nortenha. As negociações lá começam e, às páginas tantas, um dos homens do norte protagoniza uma descarada cena de assédio sexual à senhora fina lisboeta. Claro que ela se queixa ao sócio e namorado, este acaba com o negócio e despede indignado os dois ‘abrilhantinados´.
Para mim foi um choque. A espúria e premeditada associação entre pessoas do Norte e comportamentos socialmente reprováveis era demasiado óbvia para passar desapercebida. Na época a guerra do futebol já corria há muito mas, tirando isso, nunca tinha imaginado que numa televisão nacional se pudesse, de modo tão execrável, insultar uma parte significativa da população do país.
Em tempos mais recentes também não faltam exemplos de coisas deste tipo. Passando pela ‘Floribela’, uma série supostamente para crianças, a quem tratavam por “estúpida tripeirinha”, o que é sempre uma boa maneira de ir ensinando preconceitos, até aos ‘Gato Fedorento’ que, seguindo uma velha tradição televisiva, sempre que pretendem caricaturar alguém tosco e rude metem-lhe pronúncia do norte ou alentejana se for alguém preguiçoso. Estes, que passam facilmente da piada fácil ao insulto mais asqueroso, têm um boneco em que pretendem representar o típico autarca corrupto. Obviamente que tem pronúncia do norte e aparece num estúdio de televisão com a imagem da cidade do Porto como cenário. Para ser verdadeiro, por tudo o que ficamos a saber nos últimos tempos, deveria ter a mais refinada pronúncia alfacinha e uma das pontes sobre o Tejo como pano de fundo. Mas a intenção – ser verdadeiro - não é essa claramente.
Isto tudo serve para dizer aos caros Vítor Pereira e José Rocha que a preocupação deles não se justifica: a portofobia já vem de longe, vai continuar, e este episódio do futebol não lhe acrescenta nada. Aliás, a portofobia foi mesmo promovida a ideologia de Estado como se pode constatar pelo desprezo com que este governo trata o projecto do metro do Porto, a iniquidade com que auxilia a recuperação urbanística lisboeta e praticamente ignora a do Porto, ou no modo como cobardemente se prepara para nos alienar o aeroporto aos interesses da sua megalomania. Quanto ao futebol: sentenças em que o mesmo órgão, cuja génese resulta duma eleição entre clubes e a sua constituição reflecte a correlação de forças em jogo, é simultaneamente investigador, instrutor do processo, acusador e juiz, e cujo presidente é arauto mediático – mas só depois do incontornável Correio da Manhã – da sua própria sentença, são mais medalhas de honra do que opróbrio. O campeonato que interessa é aquele que se disputa nos relvados europeus e não o medíocre torneio de classificação que por cá se disputa. Um dos clubes do Porto que está a pagar a ousadia de ser melhor que os outros há muito que age localmente e pensa globalmente. Está a anos-luz dos seus adversários internos, há muito que pertence a outro mundo e espera ansiosamente que se institua a verdadeira liga europeia para se libertar definitivamente da mesquinhez interna.
Está claramente na hora de dizer BASTA! A tudo isto. Caso contrário, o melhor é retirar a palavra INVICTA do Brasão desta Cidade antes que D. Pedro IV se revolva no túmulo.
Dia 24 de Maio às 17 horas vai realizar-se uma manifestação contra as portagens na Avenida dos Aliados. É também uma manifestação contra o tratamento desigual e a discriminação.