De: José Ferraz Alves - "O público e o Porto II"
Considero que o caso da APDL – Administração dos Portos do Douro e Leixões é o único exemplo que conheço em Portugal de construção de um procedimento de financiamento articulado entre os fundos públicos e privados de apoio ao investimento, maximizando o potencial de apoios que são disponibilizados ao país para um dado projecto. No projecto da APDL está agora em causa a construção, no molhe sul de Leixões, de um cais para cruzeiros, que permita a acostagem de navios até 300 metros de comprimento, e que será uma infra-estrutura complementada com um novo porto de recreio náutico para 300 embarcações e com uma arrojada estação de passageiros.
Segundo têm referido os seus responsáveis, a Área Metropolitana do Porto integrou este projecto no pacote apresentado ao Governo para o novo ciclo de financiamento comunitário e para a sua classificação como PIN (“malfadado” processo de ultrapassagem de burocracias, só acessível a alguns, quando deveria ser o ponto de partida para a reformulação das leis para todos) e, só agora, muito bem, vai procurar um modelo partilhado de construção, financiamento e exploração. Considera que não vão faltar parceiros privados para alavancar o projecto, contando ainda com a comparticipação de dinheiros públicos.
Trata-se de um simples e verdadeiro case-study do que deveria ser um PITER (que são "programas integrados de natureza estruturante e base regional", aplicáveis ao turismo), que nunca consegui montar, pese embora o muito tentado, junto do Programa Operacional ON e da Direcção Regional da Economia e ex-API (actual AICEP). Não foi possível, por o princípio associado à distribuição dos fundos operacionais regionais ter sido a sua prévia repartição pelos seus potenciais clientes, sem a consideração do mérito dos projectos candidatados. Nem sequer de qualquer projecto existente. Se lerem a página 31 do Público de 2008.02.29, voltamos ao mesmo: "QREN para o Alto Minho só dá para um décimo dos projectos". Falaram do primado da qualidade e da selectividade dos projectos, mas já estão a partir os dinheiros por cada paróquia. Mais Portugal dos Pequeninos.
Por exemplo, na zona do Alqueva, para os arruamentos de teor público associados a iniciativas privadas que já estão no terreno, não se encontra o financiamento público para pequenas vias, com 3/6 km, que se encontram em bruto. Por exemplo, muito claramente, defendo que deve ser constituído um "PITER", sem a conotação limitativa de turismo, para a zona do Alqueva, como também o deverá ser feito para a reabilitação urbana do Porto.
Outro exemplo de parcerias, agora “em espécie”, é o da Prof.ª Maria Manuel Marques, sobre a expansão das lojas de cidadão, posicionando-as como lojas âncora de projectos privados – centros comerciais, hipermercados,... - e até, acrescento eu, de captação de população circulante para os depauperados centros históricos de algumas cidades.
“As primeiras lojas de cidadão foram feitas com investimento público, não havendo agora dinheiro para se utilizar o mesmo conceito de financiamento do investimento. Agora, há que chamar os privados e os municípios, que têm mais facilidade em arranjar os edifícios e trazê-los também para as lojas. Trata-se também de uma lógica de racionalidade, ou seja, há serviços que vão para a loja e que não precisam de ter o seu “front-office” aberto”.
Consideração interessante desta responsável: “Ainda não tivemos nenhuma parceria público-privada que resolvesse o problema do financiamento. Normalmente, estes são financiamento caro, mesmo diferenciado para o Estado, e por isso não podemos pensar que resolvem tudo”.
Há espaço para outro tipo de parcerias, em que se conjugariam interesses de públicos e privados? Caso das lojas âncora e outras em espécie. Há espaço mental e ideias do público e do privado para outro tipo de PPP, menos financeiras e mais desintermediadas, mais materiais? Por vezes há só necessidade de se estar atento às oportunidades...
Não consigo desenvolver qualquer reflexão consistente sobre o TGV ou a Ota. Mas não deixa de ser curioso que o exemplo mais conseguido de um investimento público me parecer ser aquele que é apresentado como de âmbito e componentes mais regionais e locais, tendente a ser ouvido como o menos interessante. Porque será que a nossa educação só privilegia o que nos parece poder potenciar maior visibilidade e um impacto sobre o todo do país e, se possível, para a perpetuação na história do país? Já não basta ter impacto sobre quem vive na nossa época, parece que, por vezes, se pretende que a obra feita nos perpetue junto daqueles que nunca viremos a conhecer...
E não há espaço para o bom pequeno investimento, para os pequenos serviços de corporate finance, para o bom pequeno capital de risco, para a boa pequena parceria público-privada? Por exemplo, não basta conseguir o efeito demonstrador de um pequeno serviço num pequeno hospital de província? É preciso colocar logo este tipo de operação nos serviços centrais do grande project finance, como se entendida desde logo a sua extensão ao todo nacional?
Porque acabará por ficar arrumado como assunto de menor interesse pela menor rentabilidade comparativa face a outros projectos de trabalho em carteira. Logo nunca será defendido como devia ser, junto das instâncias devidas. E não havendo esse defensor técnico, a operação não nascerá.
Por vezes, vemos melhor o que se passa na realidade de outros, como o sector público, quando nos confrontamos na área privada com o mesmo tipo de problemas, agravados por não os termos assumido, logo nunca os resolveremos. E isto já começa a ser público para os responsáveis do sector público. Que já não se coíbem de o afirmar publicamente. A actividade do Estado pode dar lucro. É um erro não se assumir isso.
Outro exemplo de PPP, é a importação pelo Dr. Manuel Pinho do modelo da Flórida para modernizar o ensino na área do Turismo, em concertação com a COTEC Portugal e destinado a dar um novo enquadramento ao ensino do Turismo, acção que deverá passar pela concertação entre os sectores público e privado, de forma a satisfazer as reais necessidades dos agentes do sector turístico. Também, conforme atrás referido, em termos de formação profissional, pode avançar o modelo de financiamento directo aos trabalhadores. E ainda se aguarda a intensificação do modelo de transferência dos apoios à saúde e educação para os utentes desses serviços.
Parece que, finalmente, se começava a dar algum primado à procura… Até a prática desvirtuar a intenção.
(... continua ...)