De: David Afonso - "Bolhão e Bom Sucesso"
Diz Rui Rio que a diferença entre o Bolhão e do Bom Sucesso está no "peso institucional" e no estado de conservação de cada um deles e que isso justificará as diferentes abordagens de reabilitação e os diferentes custos inerentes. Ora, não discordando de nenhuma destas afirmações, devo dizer que nenhumas delas é determinante. O problema é que no Bolhão, ao contrário do Bom Sucesso (julgo eu), pretende-se fazer uma obra radical que implica a construção de um parque de estacionamento subterrâneo e acrescentar valências habitacionais). Façamos um exercício e abordemos a questão de outra maneira: se eliminássemos do programa o parque de estacionamento quanto mais barata ficava a obra? Se calhar barata o suficiente para não justificar a concessão do espaço por 50 anos. É irracional construir um parque de estacionamento no centro da cidade onde existe uma importante estação da rede de Metro praticamente dentro do mercado. Os parques de estacionamento associados a estações de Metro fazem sentido na periferia como estratégia de retenção do tráfego e não nos centros históricos. É irracional e entra em colisão com o desafio de o Porto de reduzir em cerca de 35% o consumo e emissão de carbono. Não me parece que estejamos a falar de um equipamento imprescindível, qualquer pessoa transporta com facilidade as pequenas compras e para as grandes compras ou para casos de mobilidade reduzida sai mais barato contratualizar um serviço de entrega ao domiclio (solução que uma associação de comerciantes poderia coordenar para todo o comércio da Baixa e centro histórico) do que construir um estacionamento subterrâneo por debaixo de um edifício histórico.
O que acabei de dizer também é válido para a facção dos protestos que se limitam a contrapor o projecto do arq. Massena ao da TCN. Esta não foi a maneira mais feliz de orientar a contestação porque afunilou o debate para duas soluções que defendem basicamente o mesmo: tenho alguma dificuldade em perceber como o projecto do arq. Massena consegue conciliar a abertura de um fosso para o estacionamento com a preservação integral do espaço. E este afunilamento foi prejudicial porque acabou por dar alento à solução da TCN. Deste debate tipo "Dupond e Dupont" foram excluídas terceiras vias para a reabilitação do Bolhão. É claro que devemos assacar o principal da responsabilidade à autarquia que não quis envolver a cidade no debate e agiu, tal como continua a agir, de uma forma pouco prudente. Mas a cidade também se deixou dormir e quando acordou já o processo ia adiantado, talvez demasiado adiantado até. Como lembrou a Luísa Moreira, apenas alguns contestaram o concurso. Esse teria sido o momento ideal para o debate (já agora: alguém sabe onde posso consultar o programa do concurso e as actas do júri?). Neste momento, temo que já se tomaram decisões irreversíveis que muito nos irão custar (seria um sinal de boa fé se a autarquia publicasse na íntegra o contrato entretanto assinado com a TCN).
O Bolhão neste momento pode ser tudo. Queremos um mercado tradicional? Um mercado sofisticado? Nem uma coisa nem outra? Um Clérigo's Shopping? Queremos um centro cívico? Mil e uma possibilidades existirão para além da TCN e do arq. Massena. Se a cidade tivesse sido convidada a participar na escolha das premissas do concurso público hoje o debate poderia ser outro. Já se deram aqui muitos exemplos do que o Bolhão poderia ser, aqui vai outro: o Mercado Adolpho Lisboa (1883) em Manaus está a ser reabilitado para continuar a funcionar como mercado tradicional e como… pólo do Museu da Cidade! Ora aí está uma solução interessante.
PS: Ocorreu-me agora que se a Byblos não chegar a acordo com a Bragaparques para instalar na Praça de Lisboa (e não se pode mudar o nome da coisa?;) a maior livraria do país, tem uma excelente alternativa no Bolhão (sempre é preferível a um hipermercado) ou no Bom Sucesso. Cultura e peixe podem conviver pacificamente. Há que pensar de uma forma divergente.
David Afonso
davidafonso @quintacidade.com