De: Cristina Santos - "Carlos Alberto: «A casa a nu»"
Passado um mês do primeiro registo e finalizado o telhado, a obra avança agora para uma fase de intimidade, onde tudo o que existe é posto a nu. Revestimento por revestimento, piso por piso, até à estrutura principal. É uma fase movimentada, têm que ser feitas várias cargas de entulho por dia, para que não se esforce a resistência das estruturas e não se crie um ambiente irrespirável na obra. Podia optar-se por um contentor, mas a via não o permite, a solução passa por, através de um alçapão na estrutura de suporte a andaimes, colocar os túneis, molhar entulho e vazar directamente ao transporte que o há-de levar aos poucos e longínquos locais de vazamento da nossa área metropolitana. As cargas não são grandes, tanto pelas dimensões do transporte que circula nas nossas apertadas ruas, como pela questão que já referi de não se poder acumular resíduos no interior.
As massas de revestimento podem apresentar-se consolidadas, mas será um desperdício mantê-las, a sua união a massas novas apresenta várias resistências, e corre-se o risco de estas taparem pontos fundamentais e pormenores bizarros como madeira nas uniões ou cabeços de vigas de construções vizinhas; é mais fácil, económico e durável levar tudo «ao osso». E com a obra quase a nu, os esboços voltam ao escritório - é preciso rectificar, reunir com inquilinos, estudar agregados que tendem a aumentar com o decorrer da obra, é preciso rever tudo o que foi atestado antes desta se iniciar. Às vezes encontram-se compartimentos, coisas fantásticas, recantos que se partilham com prédios vizinhos, mas infelizmente não é este o caso. O espaço é pequeno, as famílias grandes, e tem que se evitar a todo o custo um retorno ao mau uso e ao excesso de lotação. Os inquilinos mais velhos tendem a querer o espaço subdividido na esperança que o neto, o afilhado, o filho, um dia regressem, é difícil convencê-los que nesta fase o mais importante é que haja ventilação e que uma cadeira de rodas possa circular. Isto é frio e parece calculista, mas é necessário encarar as coisas com realidade, na maior parte das vezes esse pequeno pormenor da cadeira de rodas é o único facto que evita que vão para um lar, não é o regresso deste ou daquele amparo... a cadeira de rodas não sobe escadas é certo, mas ao menos permite a movimentação dentro de casa, entre o quarto, WC e cozinha, parece-me essencial...