De: David Afonso - "Casa Mário Amaral mutilada (e apartes)"
A «Casa Mário Amaral» (1953) aparece referenciada por Fátima Fernandes e Michele Cannatá no Guia de Arquitectura Moderna do Porto 1925-2002 (edições ASA) e é da autoria de Arménio Losa e Cassiano Barbosa: "Num gesto concilia-se o respeito e o cuidado com a tradição e a assimilação da modernidade", lê-se. Não se trata, como é notório, de um exemplar grandioso da arquitectura desta parelha (como por ex: Edifício Soares & Irmãos na Rua de Ceuta ou Bloco da Carvalhosa na Rua da Boavista), mas é um edifício pelo qual sempre tive uma certa ternura (se é que me é permitida tal confiança). Demorei a descobri-lo e, no entanto, passava por lá diariamente a pé. Se não fosse o olhar mais atento de um amigo, então estudante de arquitectura, ter-me chamado à atenção para esta «casota», não sei se a teria interpelado assim, cara-a-cara.
Esta casa-testemunho do modernismo portuense situa-se na Rua Latino Coelho. Quem por lá passar nestes dias constatará que por ali andou mão imprudente que prestou um mau serviço à cidade e à arquitectura. Todo o interior da casa foi demolido, tendo esta sido unida à casa do lado que também viu o seu interior demolido. O piso inferior, que originalmente servia de acesso à garagem e à habitação, foi reduzido na sua totalidade a um portão de garagem. As janelas de ambos os edifícios foram tapadas e revestidas com um cerâmico do bom gosto que se pode ver. Esta obra de Cassiano Barbosa/Arménio Losa é agora um armazém e uma garagem.
Duas questões: a) Se esta mutilação foi legal (coisa que duvido) gostaria de saber, em primeiro lugar, quem foi o técnico que borrou com a sua assinatura este «projecto de reconversão» e, em segundo lugar, que técnicos municipais deram o seu aval a esta aberração; b) Se a mutilação é ilegal, que raio andam os fiscais da Câmara a fazer que não cumprem as suas obrigações? Espero que alguém me possa esclarecer sobre este assunto.
Aparte 1: Pedro (Lessa), peço-lhe que não me interprete mal: eu admiro a obra do Siza e é justamente por isso que me incomoda a postura do homem Siza. Fica-lhe mal sujeitar-se à condição de uma espécie de Cavalo-de-Tróia ao abrigo do qual se impõe à cidade uma solução urbanística discutível. É um fim de caminho ingrato para quem entrou na profissão pela porta do diálogo e da participação. Mais, Siza devia ter uma postura mais exigente para consigo próprio e não devia «tirar o corpo fora» na questão do «loteamento» das praias que ele mesmo denunciou. Isto não é de hoje: em 2001, durante uma pequena conferência do Siza, que decorreu na Câmara Municipal de Matosinhos, o inevitável Narciso Miranda anunciou o desejo da autarquia em instalar um Museu da Arquitectura no município, convidando desde já o arquitecto para elaborar o respectivo projecto. Apanhado de surpresa, Siza sorriu a balbuciou: «Bem... parece que já ganhei o dia...». A resposta acertada e pedagógica seria: «Quem? Eu?! Não, obrigado. Que tal um concurso? Seria uma boa maneira de celebrar a Arquitectura...» (PS: Claro que aqui seria um concurso a sério, a doer, e não a fantochada do costume).
Aparte 2: Celebro de uma forma comedida a participação de Lino Ferreira n'A Baixa do Porto. Na verdade, pouco mais fez do que trazer para este blogue uma extensão da guerra da Câmara com o JN. Mas, lá está, isto pode ser impressão minha. No entanto, não resisto a perguntar ao sr. vereador se o "documento de reflexão sobre a futura localização do Conservatório" já está pronto (ou não) e qual é a posição actual da Câmara quanto ao encerramento do Carolina Michaelis.
Aparte 3: Caro Pedro Aroso. Este ano também não gostei do Serralves em Festa.
David Afonso
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