De: Alexandre Burmester - "No nosso País, os erros têm sido tantos que parece não haver aprendizagem possível"
Vem isto a propósito da actual situação das escarpas de Gaia, que estando na ordem do dia, bem podia há muito mais tempo ter sido sujeita a uma intervenção, e não necessitar de se ter chegado aqui.
Quando do trabalho apresentado e ganho do concurso da Ponte do Infante, há 10 anos atrás, e porque de uma ponte se tratava, isto é ligava as duas margens, não deixámos de nos preocupar em propor para Gaia uma intervenção nas suas escarpas.
Daí nasceu uma ideia em conjunto com a Arq.ª Laura Costa para a transformação destas encostas num Parque urbano central, e cujas considerações se transcreve:
"A possibilidade de permitir às populações a circulação sobre o Douro a cotas altas e baixas, num percurso de grande variedade sensorial onde coabitam espaços construídos, património (construído e natural), espaços verdes e Rio - Espelho de água, constituirá sem dúvida um forte apelo ao usufruto destes locais ao longo de todo o ano. Parece-nos ser esta uma oportunidade única que as cidades de Gaia e Porto têm para melhorar a sua interligação por percursos pedonais, criar frentes ribeirinhas fortemente arborizadas que servem de apoio ao recreio e lazer e de cenário ao Património já classificado. Esta frente "verde ribeirinha" irá consolidar a hipótese de criar o verde contínuo ao longo das encostas Sul e Norte e de colocar as populações em contacto directo com o seu rio. O Douro como canal tradicional de ligação entre Populações e como espaço de desenvolvimento de actividades económicas fundamentais para a vida das cidades do Porto e Vila Nova de Gaia, das quais se destaca o comércio do vinho do Porto, deverá manter estas características tendo naturalmente que se adaptar às novas exigências de turismo, lazer e ambiente.
Nesta frente ribeirinha e dadas as actuais características de ocupação actual do solo, poderão ainda ser desenvolvidas ao longo das encostas Sul (desde a ponte D. Maria até à Afurada) e encostas Norte (desde o Palácio do Freixo até ao Parque da Cidade) estratégias de revitalização das áreas marginais.
Breve Caracterização
A Ponte a construir será implantada numa paisagem de grande fragilidade (...). A encosta de Vila Nova de Gaia apresenta menor fragilidade uma vez que tem menor exposição solar e elementos intrusivos que a descaracterizam. Nas encostas onde houve maior intervenção do homem o relevo encontra-se organizado em patamares à semelhança do que acontece no "Douro-rural" onde se desenvolvem os socalcos. Nestes patamares estão inseridos caminhos, casas, jardins, igrejas, armazéns, etc. num conjunto harmonioso de grande diversidade cromática e volumétrica.
Alguns destes espaços resultam do ordenamento executado em Quintas de Recreio desde o séc. XVI que se foram expandindo para a zona oriental da cidade das quais destacamos:
- Quinta do Prado do Repouso;
- Quinta da China;
- Quinta Barão de Nova Sintra;
- Passeio Público das Fontainhas.
"Nestas Quintas avulta mais o extraordinário esforço dispendido na construção de uma autentica cascata de muros de suporte do que qualquer esmero artístico na exploração plástica desse enorme volume de alvenarias. Em todo o caso representam um meritório esforço de humanização e utilização de ásperas escarpas, por vezes rochosas..." (in Jardins, Parques e Quintas de recreio no Aro do Porto. Ilidio Alves de Araújo. 1979).
A arborização existente é diversificada e resulta de três tipologias de espaços verdes:
- - Espaços verdes públicos (Jardins, Árvores de arruamento, Largos e Praças);
- - Espaços verdes privados (Jardins e Quintas particulares e interiores de quarteirões);
- - Zonas expectantes onde se desenvolveu vegetação espontânea.
Esta última tipologia de vegetação é fundamental no conjunto, pois é esta massa vegetal que nos dá a sensação de a encosta se encontrar arborizada. No entanto, estes espaços necessitam de uma intervenção cuidada no sentido de possibilitar a sua reabilitação.
Integração Paisagística
A Integração Paisagística apontada nesta proposta aponta para um programa de acções a desenvolver nas duas encostas e a vários níveis.
Num primeiro nível e fazendo parte da área de intervenção deste concurso as acções a desenvolver consistem em:
- a) Executar modulações do terreno de forma a repor as situações de talude e patamares nas zonas sujeitas a movimentos de terras: novos acessos, pilares, encostos, zonas de estaleiro e zonas de depósito de terras e materiais sobrantes.
- b) Efectuar plantações e sementeiras nestas zonas com espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas perfeitamente adaptadas às condições edafoclimáticas da região.
- c) Definição de percursos pedonais de ligação entre novos arruamentos e arruamentos existentes.
Num nível seguinte de acção propõe-se a integração ao nível da Bacia visual imediata. Tendo sido demolidas parte das casas da Serra do Pilar toda a encosta entre a nova ponte e a ponte D. Luís deverá sofrer uma reabilitação. Propomos que essa acção consista na implantação de um parque urbano a ser desenvolvido desde a cota alta até ao rio. Este parque faz assim a ligação pedonal entre duas cotas, duas pontes, dois espaços históricos, duas cidades.
Também a escarpa na encosta do Porto entre a Ponte D. Maria e o Bairro da Corticeira, incluindo a alameda das Fontainhas terá que ser alvo de reabilitação e deverá ser inserida através da implementação de espaços verdes nesse parque urbano. Na realidade teremos um único parque que se desenvolve nas duas encostas do Douro, usufruindo-se das panorâmicas, luminosidades e microclimas específicos e únicos.
Esta zona verde para além de vir a constituir uma infraestrutura verde importante para permitir a implementação dos corredores ecológicos (terceiro nível de acção), cria um espaço com funções múltiplas, tais como:
- Ponto de apoio a actividades a desenvolver no rio (canoagem, remo, vela, pesca);
- Educação ambiental (percursos natureza, observação de fauna e flora);
- Prática desportiva (campos de ténis, desportos alternativos);
- Equipamento de recreio infantil e tradicional;
- Zonas de lazer (cafés, restaurantes, biblioteca do parque).
O parque, com cerca de 4 ha, para além de todos os aspectos ligados à ecologia também irá albergar espaços referenciais da cultura, património e tradições do grande Porto e ainda inserir novos equipamentos sociais que ajudarão a revitalizar estas zonas da cidade cumprindo as seguintes funções:
Funções culturais
Incentivo à apreensão da vivencia do espaço, passada, actual e futura; criar hábitos de estadia e de recreio em exterior.
Funções de integração
Permitir a integração na paisagem envolvente, ligando os vários espaços diferenciados entre si e amenizar ambientes pelo contraste entre a suavidade dos materiais vivos e o carácter mais agressivo dos materiais inertes.
Funções didácticas
Observação e contemplação pela população de carácter mais urbano da vegetação o que permite ter a percepção da sequência dos ritmos das estações e de outros ciclos biológicos; conhecimento da fauna e da flora e conhecimento dos equilíbrios físicos e biológicos.
Suporte de uma rede continua de percursos de peões e/ou bicicleta e/ou patins.
Estes percursos oferecem a amplitude do espaço aberto em contraponto ao enclausuramento dos espaços fechados onde se vive e trabalha.
Enquadramento
As espécies vegetais com as suas formas, cores, texturas e volumes constituem elementos plásticos com os quais se pode aumentar o interesse estético de muitos espaços urbanos, equilibrando-se a composição dos volumes construídos, criando-se barreiras visuais para elementos de baixo valor estético ou pelo contrário criando-se cenários ressaltando elementos de grande valor.
(...)"
Chegados aqui, fico contente que se esteja a promover um concurso, mas o ditado continua sempre actual:
“Refere um provérbio chinês que o erro perde importância desde que se aprenda com ele. No nosso País, os erros têm sido tantos que parece não haver aprendizagem possível. E, contudo, é preciso aprender, se queremos que o passado que nos foi legado tenha ainda algum futuro”
A propósito do rio Douro
Eugénio de Andrade
Alexandre Burmester