De: Alexandre Burmester - "Para quê simplificar se podemos complicar?"
Vem o título a propósito das opções mirabolantes que os políticos teimam em tomar, quer seja para mostrar serviço, quer seja para mostrar a sua visão grandiosa e futurista.
No caso do Bolhão, uma simples reabilitação do actual edifício, seja nos usos seja em alguns simples conceitos, seria mais do que suficiente para a sua reconversão e devolução ao comércio tradicional e ao espaço da cidade.
O Jornal de Notícias dá hoje conhecimento do chumbo do IPPAR (e bem), à fantástica solução de transformar uma possível ligação entre as diferentes cotas do centro histórico de Gaia, através de uma solução típica de uma qualquer estação de ski. Confesso nem entender qual a lógica, qual a viabilidade e qual a mais-valia turística, quando se impõe na paisagem do Património uma estrutura daquela natureza. Infelizmente soluções simples são mais eficientes, e mais típicas de povos evoluídos e menos de certos protagonismos em que teimam os nossos dirigentes.
Em 2001, no âmbito do estudo de uma ponte pedonal entre Porto e Gaia, dei-me ao trabalho de propor à Câmara de Gaia a possibilidade de ligação entre as diferentes cotas da Zona Histórica, através de uma solução simples, e que ainda promovia a reabilitação dos antigos percursos pedonais existentes. Dessa solução transcrevo aqui parte do seu conteúdo:
"A travessia provocada pela ponte dará lugar a um percurso natural entre as marginais do rio, estabelecendo uma ligação entre as duas zonas históricas, e dando lugar a um uso essencialmente turístico. Tirar partido desta ligação, quer para os usos residenciais quer ainda para outros percursos turísticos, obrigará a repensar os eventuais percursos pedonais existentes de Gaia e estabelecer outros, para que no conjunto possam proporcionar as ligações convenientes.
Não foi intenção deste estudo fazer o levantamento destes percursos, apenas se faz referência por um lado à sua existência, e por outro pretende-se chamar a atenção para a sua Reabilitação. Caracterizam-se por caminhos lajeados de fortes inclinações, e ainda por diversas escadarias de cantaria. Desenvolvem-se nas escarpas de Gaia, e em locais privilegiados quer de vistas como de acessibilidades a espaços urbanos e a edifícios outrora com outras classificações. Servem actualmente a pouca comunidade residencial, encontrando-se na sua maioria em deploráveis condições físicas. Na maioria dos casos estes percursos são interrompidos por vias mais recentes, perdendo a sua continuidade.
Seria de todo importante reestabelecer a sua ligação e promover a sua utilização. A sua Reabilitação seria um passo importante para uma Renovação da zona histórica. Se por um lado estariam a criar melhores condições de habitabilidade, por outro promoviam a descoberta de uma parte da cidade esquecida. A sua excepcional localização e as suas vistas particulares, assim como alguns dos edifícios que aqui se encontram, seriam apetência suficiente para promover uma procura e poderem vir a ser reabilitados.
… Aproveitando um terreno devoluto e em estado de abandono, propõe-se a sua utilização como base de charneira para as ligações a promover. Situando-se na plataforma de chegada da Ponte D. Luís, apresenta-se este terreno a uma cota mais baixa que as envolventes e com uma ligação directa com a marginal através de um túnel sob a via automóvel. O percurso de saída da ponte termina no mesmo enfiamento deste túnel, e propõe-se a criação neste ponto de um atravessamento com a ligação a este terreno. Nele poderia ser instalado um ponto de turismo e algum pequeno equipamento de animação e apoio do tipo quiosque ou café. Desenvolver-se-ia numa cota superior do terreno formando remate aos actuais muros, e serviria ainda de ligação a outro equipamento que se propõe, na transformação do edifício existente e em ruínas. Este edifício com alguma qualidade Arquitectónica, e com uma excepcional localização de vistas, poderia vir a servir como um pequeno museu da zona histórica de Gaia e das suas actividades, equipamento aglutinador da sua história e das actividades a promover.
A partir destes equipamentos e da sua excepcional localização, poderá no local deste terreno vir-se a resolver a ligação entre as cotas altas e baixas de Gaia. Propõe-se a inclusão de um elevador cuja altura não necessitará de ultrapassar a da ponte D. Luís e que do ponto de vista estético e plástico em nada conflituará com as pré-existências. Esta ligação permitirá estabelecer uma relação directa entre a Av. da República e a marginal, conduzindo as populações ribeirinhas até ao actual centro urbano e ainda interligando-o com a futura ligação do Metro de superfície no tabuleiro superior da ponte D. Luís. Permitirá ainda o estabelecimento da ligação turística entre a marginal e a Serra do Pilar, com a particularidade que um percurso desta natureza poderá proporcionar.
A partir da charneira proposta, outros percursos poderão ainda ser explorados, quer através de cotas sobrelevadas como na relação com as áreas a montante da Ponte. São apontados nas peças desenhadas, a possibilidade de exploração de trajectos sobre as encostas, que poderiam vir a servir outras áreas habitacionais adjacentes, como também estabelecer percursos panorâmicos de elevada qualidade.
Mas para quê simplificar, se podemos ser sempre tão originais e arrojados? O que mais temos por essas repartições fora são projectos mortos nas gavetas, seja porque não há viabilidade económica, seja pela constante demasiada criatividade patente nos nossos dirigentes."
É muito difícil ser simples.
Alexandre Burmester