De: TAF - "Democracia podre"
Sendo este blog um espaço de debate sobre o Porto e a sua região, sou da opinião de que aqui também cabem assuntos que, sendo de âmbito nacional ou supra-nacional, têm impacto directo na cidade. É o caso.
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- Sócrates anuncia hoje ratificação do tratado por via parlamentar
- Cavaco Silva lançou alerta logo de manhã
- Referendo em Portugal teria sido encarado como uma traição
- Sócrates afirma que teria vantagens com referendo mas recusou-o por “ética da responsabilidade”
- Governo recusa referendo
Estava com alguma esperança de que, embora pelas razões erradas, Sócrates tomasse as decisões correctas. Afinal não.
Esta questão do referendo é mesmo muito séria, porque abala as bases da Democracia. O Governo, o Presidente da República e a Assembleia da República, todos eles, violaram gravemente os seus deveres constitucionalmente estabelecidos. Explico porquê.
Quando um Governo nasce do resultado de um acto eleitoral, e na sequência da apresentação do seu programa que foi validado pelos eleitores, é seu dever aplicá-lo. Atendendo a que o mundo está em permanente mudança e que ninguém tem a capacidade de prever o futuro com rigor absoluto, aceita-se que a prática seja diferente do previsto no programa, precisamente para a ajustar às novas situações. Mas é preciso que as situações sejam de facto novas, e que as alterações ao programa sejam as mínimas indispensáveis.
Um exemplo caricatural: imaginemos que um partido ganhava com maioria absoluta depois de ter prometido baixar os impostos para metade e subir as pensões de reforma para o dobro. No primeiro dia de Governo, contudo, fazia exactamente o contrário: os impostos subiam para o dobro e as pensões desciam para metade. Qual era o dever do Presidente da República? Demitir imediatamente o Governo, dissolver a AR e convocar novas eleições.
Os eleitos têm de perceber que são representantes do povo, não são "encarregados de educação" do povo. Se se apresentam com um conjunto de ideias que é sufragado pela população, é isso que devem concretizar. Não têm mandato para tomar decisões estruturais que nunca foram propostas nem votadas, a menos que as circunstâncias fossem completamente novas e a urgência impeditiva de uma consulta popular. No caso deste referendo, nem uma coisa nem outra.
Sublinho que o que aqui está em causa não é saber se o Tratado de Lisboa é bom ou é mau, mas sim se é legítimo (invocando o interesse nacional, ou o interesse europeu, ou a ignorância da população, ou a complexidade do tratado, ou seja lá o que for...) evitar um referendo porque se receia que o respectivo resultado seja negativo! É a subversão total da Democracia!
É evidente que em Democracia os resultados do voto popular nem sempre são aquilo que cada um de nós, individualmente, consideraria o mais sensato. Mas essa é a essência da Democracia! Ninguém tem o direito de aproveitar o facto de ter sido eleito para, depois disso, fazer tudo o que lhe apetece. É esse, aliás, o mal também de Rui Rio no Porto (em alguns aspectos tristemente parecido com Sócrates).
Se o referendo a um "Tratado Constitucional" foi prometido antes das eleições, não há razão válida para suprimi-lo no caso deste "Tratado de Lisboa". Ponto final.
O que agora me parece indispensável, à luz destes princípios, é invocar a inconstitucionalidade da decisão de ratificar o tratado no Parlamento, e levar o caso ao Tribunal Constitucional. E também convém não nos esquecermos de quem são os responsáveis por este abuso do sistema, quando formos votar da próxima vez.
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Preocupa-me igualmente que se esteja a dar ênfase semelhante a problemas de gravidade muito diferente.
A nova lei do tabaco, por exemplo. Admito que em algumas situações possa haver algum exagero na lei. O objectivo deverá ser proteger a saúde de quem não quer ser fumador, e não proteger a saúde de quem fuma. Mas a filosofia geral de promover a qualidade do ar nos espaços frequentados por não-fumadores é legítima. Trata-se portanto de afinar a lei, não de inverter a sua filosofia de base. Não é nada de significativo comparado com o referendo ao Tratado de Lisboa.
Outro exemplo: a actuação da ASAE. A ASAE tem por missão fazer cumprir a lei e os regulamentos em vigor. Poderá argumentar-se, provavelmente com razão, que as suas prioridades estão erradas, que há excesso de zelo, etc., etc. Mas essa distorção é secundária face à origem do problema, ela sim tão grave como a questão do referendo: a legislação absolutamente inaceitável que nos querem impor. O raciocínio, aliás, terá sido semelhante: o cidadão, individualmente, não tem maturidade suficiente para tomar conta de si próprio. Por isso é proibido de comer o que preferir, de manter tradições alegadamente "pouco saudáveis", de dispensar "procedimentos de segurança", mesmo sabendo-se que o único eventualmente prejudicado é ele próprio. Aí é que está a limitação insuportável à liberdade individual. É a lei que é urgente alterar; a actuação da ASAE virá corrigida como consequência.
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Mais cenas tristes:
- Governo admite esconder estudo do LNEC
- Governo pode não divulgar estudo do LNEC antes de anunciar decisão sobre novo aeroporto
- Sugestão de Rui Rodrigues: "O movimento pró-Ota é contra a solução Portela+1 porque, segundo eles, há uma duplicação de custos. Surpreendentemente, agora, dizem que, quando a Ota saturar, deve-se apostar no OTA+1. Ao abrir o site, no canto superior direito, podemos ouvir as declarações contraditórias de Manuel Porto."
Notícias mais saudáveis, para terminar o post :-)
- Católica disponível para parceria com U.Porto
- Oposição quer que Rui Rio converse com o Governo em vez de se autovitimizar
- Assis defende excepção