De: Paulo Duarte - "Decisão do TAFP relativa ao caso da frente urbana do Parque da Cidade"
Mistificações em torno da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto relativa ao caso da frente urbana do Parque da Cidade
Sou advogado. Mas, antes de ser advogado, sou jurista. E, como jurista, interessado nas questões jurídicas com relevo para a comunidade, fico sempre chocado quando vejo alguém, seja quem for, a aproveitar-se da natural insipiência dos leigos para os confundir com deturpações conceituais e exercícios de mistificação em torno de conceitos e princípios de natureza jurídica. Muitas vezes a coberto da ideia, errada, de que, em matérias jurídicas, cada qual tem direito à opinião que lhe aprouver. O direito, não sendo uma ciência exacta, tem, como qualquer ciência, padrões mínimos de objectividade e parâmetros de racionalidade.
Fiquei, portanto, chocado com os exercícios de mistificação (de engano) em que consistem algumas das declarações que se podem ler na edição de ontem do JN a propósito da recente decisão do Tribunal Administrativo do Porto (TAFP) que anulou o despacho de Rui Rio que revogara o despacho de Nuno Cardoso que aprovara o PIP para a frente urbana do Parque da Cidade.
A primeira mistificação (o primeiro engano) consiste em fazer passar a ideia de que a decisão do TAFP reconhece direitos de edificação às empresas que haviam instaurado a acção. Na verdade, o TAFP, pura e simplesmente, não se pronunciou sobre essa questão de fundo. A sentença em apreço limitou-se a apontar ao despacho de Rui Rio um vício formal, consistente na falta de fundamentação. O TAFP, portanto, não chegou a avaliar o conteúdo do despacho de Rui Rio, não o considerando (no seu conteúdo) nem certo nem errado, nem legal, nem ilegal. O TAFP, por conseguinte, não reconheceu nem deixou de reconhecer direitos a quem quer que seja. A única coisa que a decisão do TAFP reconhece é a incompetência dos serviços municipais, que nem sequer foram capazes de assegurar a regularidade formal do despacho do seu presidente.
A segunda mistificação consiste em afirmar-se que a decisão do TAFP contraria o parecer do Professor Alves Correia, renomado especialista em direito do urbanismo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. E não contraria porque, outra vez, o TAFP nem sequer chegou a tocar na questão sobre a qual aquele ilustre jurisconsulto emitiu o seu parecer. O actual responsável municipal pelo urbanismo é que, entretanto, pode ter deixado de acreditar nas razões de Alves Correia.
A terceira mistificação consiste em inculcar no público a impressão de que a CMP não tem outra alternativa que não seja a de negociar na base do reconhecimento dos direitos de edificação do consórcio de empresas que instaurou a acção. Todavia, na verdade, a CMP tem outra alternativa (que é aquela pela qual, de resto, em casos semelhantes, costuma optar): repetir o despacho de revogação da aprovação do PIP (despacho de Nuno Cardoso), mas agora devidamente "limpo" do vício formal que ditou a anulação judicial. Se a CMP rejeita esta segunda alternativa não é, seguramente, porque a isso a constranja a decisão do TAFP que, insisto, passou completamente ao lado da questão de saber se o consórcio tinha ou não direitos de edificação. Se o faz é, simplesmente, porque mudou de opinião, entendendo agora aceitável que se construa num lugar que, antes, em campanha eleitoral, se considerara intocável. Quer dizer, trata-se de uma voluntária inflexão nas orientações de política urbanística, e não do cumprimento de uma imposição judicial (que não existe).
A quarta mistificação traduz-se em extrapolar consequências para o caso da Quinta da China, acenando, meio a avisar meio a ameaçar, com o papão dos "direitos adquiridos". Ora o caso da Quinta da China não tem nada a ver com o caso do Parque da Cidade. Trata-se de situações jurídico-urbanisticamente (e até politicamente) muito distintas, nada autorizando a pretensão de compará-las.
Paulo Duarte