De: David Afonso - "Noite"
É inevitável, é impossível não falar no assunto: a onda de violência o Porto. A primeira reacção é a de reforçar os instrumentos de repressão directa: câmaras a vigiar as ruas e mais polícia na noite. O primeiro caso deixa-me algo apreensivo e confesso que não gosto de me sentir vigiado. De qualquer das maneiras, o que vai acontecer vem nos livros: o sistema só vai funcionar durante uns meses e depois por avaria ou por falta de pessoal torna-se apenas em mais um bibelô urbano a enfeitar o centro histórico. Quanto ao segundo caso, acho que, pelo contrário, existem polícias a mais na noite: a fazer segurança "por fora" nos bares e fazer controlo selectivo de estacionamento. As chefias deviam acabar com esta vida paralela dos seus agentes. Na noite todos os gatos são pardos e torna-se difícil distinguir o polícia do ladrão. Portanto, é necessário proibir os polícias de desempenharem qualquer função ou cargo na noite por conta própria e fora do seu horário. Este tipo de complemento salarial não é inocente e tem consequências muito sérias na segurança dos cidadãos. Esta bandalheira não vem de lado nenhum.
Para além disso, seria conveniente trabalhar mais a fundo e a longo prazo. Quando o poder político – local e central, que nisto ninguém está inocente – varre para baixo do tapete o problema dos bairros sociais e do centro histórico, ignorando o perigo que constitui condenar ao limbo social geração após geração os seus habitantes, está a trabalhar efectivamente a favor da violência. A melhor maneira de fomentar o crime urbano é criando guetos sociais e nisto temos tido políticas de sucesso, infelizmente.
Outro problema é o do licenciamento destas grandes superfícies da noite, uma solução que potencia a insegurança. No início dos anos 90 deixei de frequentar estes locais porque têm mais de prisão e de fortaleza do que de local de diversão e socialização: são gigantes de betão, sem janelas e com uma única porta vigiada por pretorianos armados e munidos de coletes à prova de bala. A ideia de cidade que eu tenho é a de uma cidade de ruas e praças, onde todos nós partilhamos o espaço comum. De dia e de noite. Se é a porta que faz a noite e a máfia da noite, então que se prescinda da porta! E nem era preciso muito para fechar estas grandes superfícies: basta aplicar a lei porque, como todos sabem, a maior parte destes locais funciona sem qualquer licenciamento e à margem da lei. Entretanto, bem podem armar todo o espectáculo do mundo à volta dos suspeitos do costume que tudo ficará na mesma. A operação policial só serve à agenda política e pouco mais. Ou acham que mudou alguma coisa?
David Afonso
davidafonso @quintacidade.com
PS:
1. Para uma leitura crítica do Programa Porta65 Jovem (incentivo ao arrendamento jovem), que é muito importante para o futuro das cidades e em particular dos centros históricos, recomendo a consulta do porta65.blogspot.com
2. O que realmente nos importa quando nos importamos com o Centro Histórico do Porto?