De: David Afonso - "Siza em Guimarães"
Na passada 5º feira, dia 25, fui a Guimarães assistir à conversa entre a arq.ª Alexandra Gesta e o arq.º Álvaro Siza que decorreu integrada na excelente iniciativa Prática Reflectida para Reabilitação Urbana financiada pelo Projecto Pagus (mais uma oportunidade que nos passou ao largo...).
Algumas observações sobre a conversa com o arq.º Álvaro Siza:
1. O «especialista da participação» - instigado pela arq.ª Alexandra Gesta recordou ali os tempos do SAAL. A verdade seja dita: Siza não teve qualquer rebuço em reconhecer que esses tempos já lá vão e que hoje já não é um «especialista da participação». Nada que não se soubesse, infelizmente.
2. O «espírito do lugar» - Siza partilhou com a audiência o gozo que lhe dá passear pelas cidades, extraindo desse exercício peripatético aquilo a que chamou «espírito do lugar», transpondo-o depois para os seus projectos. Este exercício de estirador pé-de-galo nem sempre corre bem. Como se sabe, às vezes os maus espíritos importunam o médium. Deve ter sido o que aconteceu nos Aliados e, pelos vistos, em Madrid. Por coincidência, foi respaldado no argumento do «espírito do lugar» que o arquitecto defendeu a inexistência de muros ou qualquer outro tipo de vedação entre a cidade e o rio. Apesar de céptico no que diz respeito a estas sessões espíritas de estirador, também me parece desnecessário vedar o rio. Mas isso sou isso sou eu, nado e criado à borda d´água...
3. O «modelo Nápoles» - não se escondeu o fascínio por esta cidade italiana e pelo seu «caos ordenado»; as regras secretas do trânsito napolitano foram descritas como exemplares. Esta sedução napolitana poderá explicar alguma coisa, nomeadamente a ausência de passadeiras para peões na Avenida dos Aliados (isto é, não há qualquer marcação através da diferenciação de materiais e duvido que se vá fazer uso de uma solução de recurso como é a de pintar por cima dos paralelos de granito claro...). Este espírito napolitano traz consigo um aspecto positivo: o horror ao excesso de sinais de trânsito no centro da cidade. Siza cita como mau exemplo o propósito de a autarquia instalar um sinal a dizer «Centro da Cidade» em pleno Aliados (Palavras para quê?). Esperemos que não seja mais um mono igual ao do túnel de Ceuta.
4. A «demissão da praia» - Siza, a propósito do seu trabalho para Leça da Palmeira, insurgiu-se contra a campanha de «loteamento» das praias que culminará na sua ocupação e destruição. Sobre isto não esteve nada bem o orador. Em primeiro lugar e sem disfarçar o ressentimento, acusou os ecologistas de não se preocuparem com esta realidade. O que não é verdade, como qualquer pessoa de boa fé reconhecerá. Em segundo lugar, reconheceu que perante as pressões que sentiu por causa desse «loteamento» preferiu «demitir-se» das praias, assumindo apenas a responsabilidade pelo restante plano. Ora, se me permitem, o arquitecto, demitiu-se da parte errada do problema, porque se a não é a sua figura tutelar que vai impor algum respeito aos abutres, quem será então? Mas gostei de o ver assim tão preocupado com estas coisas e esta até é uma boa ocasião para isso: Vamos entrar em fase de discussão do Plano de Ordenamento da Orla Marítima entre Caminha e Espinho e o contributo de todos é importante. A voz do cidadão Álvaro Siza será sempre bem vinda. Em regime de voluntariado, claro.
5. A arq. Alexandra Gesta tem feito um trabalho extraordinário em Guimarães. E se a raptássemos? O Porto precisa de alguém assim.
David Afonso
attalaia@gmail.com
Adenda ao ponto 3:
Fui comprar tabaco e passei pelas obras. Para surpresa minha, as passadeiras para peões foram mesmo pintadas!