De: David Afonso - "Agência Cultural"

Submetido por taf em Sexta, 2007-11-23 10:37

1. O último fim-de-semana no Porto foi agitado no que diz respeito aos meios artísticos: no dia 16 foram os prémios BES Revelação em Serralves e no dia 17 a última "Festa das Artes" de 2007 na Miguel Bombarda e, um pouco mais tarde, a inauguração da colectiva Prémio EDP Jovens Artistas no CACE Cultural do Porto ao Freixo. Tanta fartura fez-me pensar em duas coisas: em primeiro lugar, vai-se confirmando a existência de actividade cultural de qualidade na cidade e que essa actividade reverte a favor de uma nova imagem que se vai construindo e de uma nova dinâmica que se vai instalado; em segundo lugar, a concentração de eventos dirigidos ao mesmo público em tão curto espaço de tempo talvez amorteça o potencial que cada um deles tem individualmente, pelo que valeria a pena ponderar a constituição de uma agência local que ajudasse os programadores a coordenarem entre si a organização destes eventos. As câmaras têm de fazer um pouco mais do que despachar apoios e de publicar uma Agenda "Cultural" e um pouco menos do que manipular com fins eleitorais os criadores e o seu público.

2. Na 3ª-feira, dia 20, passei pela Reitoria para a assistir ao debate entre João Fernandes e Delfim Sardo em torno da questão O Público paga a cultura? onde mais uma vez se fez um retrato muito cinzento do financiamento da cultura em Portugal, sobretudo no que toca aos apoios públicos. Por um lado, existe um sub-financiamento crónico e, por outro lado, não existe um critério ou uma estratégia. Os apoios são casuísticos, sendo atribuídos ao sabor de conveniências eleitorais e de estratégias de poder mais ou menos veladas. Um bom exemplo disso é o caso Hermitage em Lisboa: esta brincadeira fugaz e desnecessária custa tanto quanto um ano de exposições do Museu de Serralves. Quanto a critérios estamos bem conversados. A nível local o cenário não é melhor. Os autarcas, mesmo os bem intencionados, são afectados por todo o género de males que decorrem do facto de terem de agradar a todos, vivendo numa espécie de "paixão pela generalidade" – nas palavras de Delfim Sardo – materializada nos inúmeros pavilhões multiusos que jazem por esse país fora. Deviam servir para tudo e acabam por servirem para nada.

O remédio não é fácil e a cura não é certa, mas alguma coisa se poderia fazer. Falou-se, por exemplo, na necessidade de desenvolver uma rede de "mediadores culturais" capazes de interpretarem o contexto social e cultural locais e de adequarem a programação da oferta a esse mesmo contexto. Muito provavelmente gasta-se dinheiro a mais em iniciativas desgarradas e desajeitadas. Delfim Sardo falou na necessidade de se criar uma Agência Nacional que se encarregasse de gerir os apoios – públicos e privados? – à criação e divulgação artísticas. A ideia seria afastar a gestão cultural da inconstância política ao mesmo tempo que a gestão dos dinheiros e a apreciação dos projectos seria levada a cabo por profissionais e não por funcionários administrativos. Ora, parece-me que faria todo o sentido a criação de agências deste tipo a nível local (de preferência com responsabilidade sobre concelhos agregados pela sua complementaridade mútua) capazes de gerir um projecto a longo prazo e de uma forma profissional. Seria uma estrutura leve e com um orçamento plurianual sustentado numa parceria tripartida entre autarquias, estado central e privados e gerida por uma equipa seleccionada por estes três investidores. As câmaras deixariam de decidir directamente sobre os "subsídios" e os programas culturais poderiam ser pensados para décadas e não para quatro anos (e quando são…). Como é natural, é sempre o Porto, aliás, o Grande Porto que tenho em mente quando penso nisto. A agenda cultural já é metropolitana, agora só falta a gestão. O problema é que uma Agência Cultural não poderia exigir contratos de apoio com cláusulas extravagantes ou monopolizar um teatro municipal com um produtor do regime. O problema é que a criação desta agência significaria perder um poder quase discricionário que os autarcas hoje detêm sobre a actividade cultural do seu concelho. E esse poder deve ser muito valioso porque, pelos vistos, não parecem dispostos a perdê-lo tão cedo.

PS: Obrigado Arqº Pulido Valente por esta lição de cidadania. Sinceramente, espero que o quisto urbano seja removido quanto antes.

David Afonso
davidafonso @quintacidade.com