De: Cristina Santos - "Porto Dentro - é possível"
Caro David
Que não seja por falta de apoio que a ideia não vai para a frente, tenho as obras em prédios degradados documentadas, convivo com as pessoas, não só durante a reabilitação mas durante os anos subsequentes, em que as vou ouvindo e acompanhando a sua evolução na casa reabilitada, queixas, reclamações, desabafos. De Campanhã, Carvalhido, Nevogilde, Paranhos, Cedofeita até ao Centro Histórico. Desde as ilhas, aos prédios classificados, aos prédios com menos de 30 anos. De todas as famílias, as que mais aprecio são as do Centro Histórico, as do resto da Cidade são mais amarguradas, mais tristes, menos solidárias. Muitas das histórias das famílias já estão publicadas na Baixa do Porto, sem fotos de rosto, porque receio que os familiares, principalmente dos idosos, se oponham à publicação - para alguns seria drástico que alguém descobrisse que os pais vivem em tais condições.
Aliás, uma das coisas que me choca é ouvir constantemente as mães a afirmar orgulhosas que os seus filhos são doutores, formados aqui e ali, e depois negarem-me o contacto, preferem ser realojadas em bairros sociais pelo prazo das obras, do que pedir aos filhos uns meses de hospedagem. Tenho também as histórias de proprietários, os seus esforços, as suas lutas, os novos arrendatários, a visão que têm do seu património. Alguns, por estranho que vos pareça, também vivem em prédios degradados onde são inquilinos. E não fica por aqui, tenho também as fotos e as histórias dos prédios vizinhos, que visito por precaução, alguns piores do que aqueles que serão objecto de classificação.
Não sou só eu que convivo com isso, é também uma série de técnicos da CMP, principalmente do programa RECRIA, assistentes sociais, vereadores que são muitas vezes chamados a ouvir a problemática, longe da generalidade das situações e que até agora têm respondido com bom senso, com empenho. É impossível reabilitar nestes casos sem ouvir, sem conjugar as perspectivas futuras de uns e outros, que serão depois associadas de acordo com a disponibilidade financeira, com os interesses da cidade, da rua e de todos os envolvidos.
Quer dizer, provavelmente até é possível.