De: Paulo Espinha - "A Cidade é, A Cidade está..."
Ou a Síndrome da Intervenção Urbana...
Gerir uma cidade é complexo. Construir uma estratégia para a cidade não é fácil.
A multiplicidade dos intervenientes, o jogo conflituante de interesses, o desequilíbrio entre o que a cidade oferece e potencia e as exigências dos cidadãos, a alavancagem tanto dos mais desfavorecidos como das actividades mais dinâmicas, os pequenos grandes prazeres dos lugares, a preservação dos arquétipos e das memórias colectivas e individuais, etc, etc, etc.
A tradição mais anglo-saxónica do Norte da Europa, por múltiplas razões entre as quais se releva a adversidade climática e até quiçá uma outra profundidade cultural e filosófica, passa por uma intervenção urbana mais colectiva. Isto é, equipas sem nomes conhecidos da opinião pública nacional e internacional, ainda que conhecidas localmente, fazem um trabalho quotidiano multidisciplinar persistente, com resultados que são visíveis a olho-nu e subtilmente perceptíveis em análises de maior profundidade muito positivos. Com actualidade realizam diariamente aquilo que em teoria se classifica de planeamento como processo ou marginalista. Não sem haver uma estratégia bem definida de suporte.
Em contrapartida, a tradição mediterrânea alicerça planos e planos, zonamentos e zonamentos que depois mete na gaveta, adultera, etc. As equipas municipais vêm aterrar verdadeiros gurus da urbanidade e do desenho urbano que, pontualmente, ditam as suas leis, pois supostamente eles é que sabem o que é melhor para a cidade... Normalmente isto gera polémica, pois os cidadãos não vêem o que os gurus vêem e, “estranhamente”, dá-se um desencontro entre ordens dos primeiros e vontades dos segundos.
E se, em cima disto, juntarmos as vontades dos edis, a falta de estatísticas sustentadas e credíveis e a pouca formação académica e cívica de muitos dos agentes (ou, nalguns casos, o excessivo peso delas), então a mistura pode ser explosiva.
Contudo, sobre a polis, é fundamental a responsabilidade dos políticos e dos técnicos, sejam verdadeiros urbanistas, arquitectos, designers, engenheiros, sociólogos, economistas, promotores e mediadores imobiliários, etc, e os cidadãos em geral. Todos, em conjunto são responsáveis.
A minha pergunta é esta: como é que se consegue o justo equilíbrio entre a acção colectiva e a vontade de protagonismo de alguns destes agentes? Quem é que algures disse – “falem mal de mim, mas falem...” Ah, e logo a seguir aparecem os acólitos de um e de outro lado, da defesa e da crítica, que, normalmente, não fazem mais que defender os seus próprios interesses... Quando um guru diz que está preparado para a polémica, o que é que isto nos diz, vos diz... Onde está a nossa cultura colectiva? Onde está o equilíbrio entre gurus e equipas? Não quero com isto dizer que não devamos ter respeito pelos gurus. A questão não é essa.
Dois Casos Emblemáticos
- O caso OS ALIADOS.
- - Em primeiro lugar, a doença crónica - para todo e qualquer edil, intervir na “praça” é uma permanente tentação. Em toda e qualquer aldeia, vila e cidade deste país e quiçá do mundo, todos querem deixar a sua marca. E que melhor para o fazer que na praça central, na praça maior. A ideia em si não é má. Cada lugar, independentemente da sua dimensão, deve ter uma praça. A praça deve estar arranjada, bem tratada e desempenhar o seu papel central. O problema está em que em muitos casos, as intervenções sucedem-se a uma velocidade verdadeiramente vertiginosa. Já se fizeram contas aos milhões de euros gastos em todo o país em sucessivas remodelações da praças centrais das nossas aldeias, vilas e cidades?
- - Em segundo lugar, o apoio crónico - a culpa será só deles? Nós técnicos não temos culpa? Os técnicos, os gurus, quais divas de coisa alguma, não querem também deixar as suas marcas, pelo seu próprio interesse, em muitos casos contrário ao sentir da maioria?
- - Em terceiro lugar, o desperdício crónico – não está mais que provada a não necessidade da estação de metro e, com isso, a não necessidade das obras e por aí fora?
- - Em quarto lugar, o crónico implementar de ideias inacabadas ou mal acabadas – não se poderia ter aproveitado o fecho do tabuleiro superior da Ponte Luís I aos automóveis para eliminar os fluxos longitudinais da praça – será que ninguém percebeu isso? Será que ninguém percebeu que, já que se está a intervir e a gastar dinheiro, se estava perante um momento de transformação radical que propiciaria uma verdadeira alavancagem de um novo paradigma de mobilidade na baixa? Ah, porque assim a Baixa deixaria de funcionar, diria Laura Rodrigues... Pergunta: e agora funciona e antes funcionava?
- - Em quinto lugar, a reação crónica – o povo não reage? O que se passou em Madrid responde a esta pergunta, mesmo que tenham sido as elites a alavancar o movimento. Parece que se quer agora inaugurar a “nova” praça no próximo S.João. Enganaram-se – a “nova” praça foi desvirginada pelos adeptos portistas num destes passados fins-de-semana, quando dos festejos pela vitória do FCP no campeonato, mesmo em estado de desconstrucção. Ah traição, vida madrasta...
- - E em último lugar, o dejá vu crónico – não fica a impressão que tudo mudou para que tudo fique na mesma? Melhorou-se efectivamente a amenidade do lugar, num quadro de dinamização das diversas actividades? Pois é, a praça é, a praça está e duma coisa tenho a certeza, é que vai sobreviver às facadas que lhe vão fazendo... Aliás, como disse alguém algures – primeiro estranha-se, depois entranha-se...
- O exemplo NOVA PONTE PEDONAL
Existe um novo projecto para a ponte de peões entre o cais de Gaia e a Ribeira. O programa base não é mau – uma ponte que ligue as duas margens a cota baixa, relativamente distante do tabuleiro inferior da Luís I. Em termos formais, discordo em absoluto da solução. Tecnicamente não é inovadora. Já agora, ainda agora, foi acabada uma ponte similar (inovadora em termos de vocabulário) sobre o canal de S.Roque em Aveiro, projecto do Arq. Luís Viegas e do Eng. Domingos Moreira. Mas aquilo que verdadeiramente me deixa preocupado é a intromissão visual que a ponte vai exercer sobre todo o campo visual da Ribeira que se tem a partir de Gaia. Vamos passar a olhar para esta nova ponte? Novamente, guru assina por baixo a sua integração paisagística. Mas deixem estar – “primeiro estranha-se, depois entranha-se...”
Verdadeiramente inovador seria um vão lançado com pilares à Edgar Cardoso (outro guru com bons e maus momentos, mas que no que concerne a pilares era o mestre), com cotas em torno das cotas dos dois encontros. Um vão flat, simples, arrojado, que interferisse o menos possível no vocabulário e imaginário herdado do Alvão e das fotos do Carlos Romão na sua Cidade Surpreendente.
Não quero com isto afirmar que sejamos obrigados a reproduzir o Bairro Alto ou a Graça, tal como preconizou um aprendiz de guru em páginas de um semanário há uns fins-de-semana atrás. Definitivamente, não é. Agora, em respeito aos arquétipos culturais e arquitectónicos deveria ser exigida uma maior contenção para estas novas futuras pré-existências em respeito para com as antigas pré-existências. Interessante ver a solução para o Centro Cultural Kunsthaus Graz em Graz, Áustria, dos arquitectos Peter Cook e Colin Fournier.
A estagnação dos processos de planeamento e ordenamento do território, em especial ao nível do pormenor, mantendo as mesmas regras de “traça primeiro e só então propicia discussão já enviesada”, não tem acompanhado a evolução do paradigma comunicacional e do potencial e cada vez maior vontade de participação dos cidadãos. Depois os gurus recebem um “BASTA YA”!
Paulo Espinha