De: Rui Valente - "Só um pouco mais de Porto..."
Caro F. Rocha Antunes
Que a cidade é feita de cidadãos parece ninguém ter dúvidas. Que o cidadão comum procure dar o seu melhor pela cidade onde vive, também me parece consensual. Agora, colocar no mesmo prato da balança responsabilidades de governantes e governados, continua a parecer-me excessivo e um tanto demagógico.
Não me leve a mal, mas isto de estabelecer paralelos entre governados e governantes, parece-me o tipo de "fraseologia" mais indicada a políticos do que a simples cidadãos. É imprudente colocar em patamares semelhantes o poder efectivo e duradouro de uns (políticos), e o poder relativo e circunstancial de outros (o voto do povo). São realidades com autoridade bem distinta.
Mais: considero essa "mistura" de papéis não só perigosa, como até um estímulo inoportuno à irresponsabilidade da já tão irresponsável classe política. Pela parte que me toca, chega-me a que já constato há demasiados anos, e como já disse repetidas vezes, não tenho mais tempo para lhes dar. Agora, só passarei a creditá-los depois de obra realizada! E pode crer que estou ansioso por ter razões objectivas para louvar os políticos, mas não o farei apenas por terem o "mérito" de reduzir decibeis quando falam com o poder central lisboeta.
Concordo consigo quando diz que a cidadania implica participar nos assuntos da cidade da melhor forma possível, mas continuo a achar que ela não se esgota na sua discussão pública por melhores que sejam as ideias dos cidadãos. Embora seja realmente constante a mutação do exercício de cidadania, convém não entrar em euforias nem esquecer que o ritmo dessa mutação não corresponde de todo ao ritmo da melhoria económica das populações. E isso significa que, se as maiorias contam para eleger pessoas e governos, também devem contar para não esquecermos que a fatia mais expressiva do eleitorado (que também tem opinião) não possui computador nem qualquer relação de proximidade com o mundo da Internet, como é o nosso caso.
Por isso, meu caro, não se distraia confundindo a sua ou a minha realidade, com a realidade não desprezível das massas votantes. E pior será se confundirmos cidadania com a permuta de opiniões directamente relacionadas com as nossas actividades profissionais, porque isso não é bem a mesma coisa.
Já aqui me solidarizei com arquitectos e me interessei pelas suas causas, e não sou arquitecto. Mas também já os critiquei. Farei sempre uma ou outra coisa, de acordo com aquilo que me parecer mais justo e razoável. Contudo, não acharia nenhuma piada se "A Baixa do Porto" acabasse enlatada com assuntos exclusivamente dedicados a essa como a qualquer outra área profissional. A cidadania, é substantivo muito mais heterogéneo.
Mas que gostava de fazer muito mais pela minha cidade, isso confesso que gostava.
Rui Valente