De: Luisa Moreira - "Nun'Álvares e os avisos"
Arq. Pedro Aroso,
antes de mais, os meus pêsames pelo falecimento do seu colega Luiz Botelho Dias. Tive oportunidade de falar com ele uma única vez. Era um Senhor, daqueles que já não se fabricam porque lhes perderam o molde, como dizia já na altura a minha Avó.
Deixo algumas perguntas.
- - Quanto à Via Nun'Álvares, ainda bem que a Junta está a fazer alguma coisa. Ainda bem que os arquitectos se estão a mexer. Mas... será que, em determinada altura, será conveniente fazer um abaixo-assinado? Compreendo que não seja o momento para não assustar ninguém (...), mas pode ser útil a partir de determinada fase, ou estarei enganada?
- - Se de facto viola o PDM, como me parece porque a UOPG foi alargada para conceder maior edificabilidade, não será de interpor uma acção cautelar e preventiva? Será que a conjugação partidária entre a Junta e a vereação o permitem, terá o Senhor Rozeira coragem de o fazer ou teremos que ser nós os cidadãos a fazê-lo?
Uma pergunta final: lembrava-me que, há mais de um ano, o Senhor Dr. Rui Moreira escrevera no Público um artigo sobre o que se estava a preparar para a Via Nun'Álvares. Mandei-lhe há dias um email para a ACP a pedir se me facultava esse texto porque não o encontrava na internet. Pensei que não receberia resposta, mas pelos vistos estava enganada e recebi um simpático email em que me enviava o tal texto que aqui reproduzo:
"Indagações
3 de Abril de 2005
Dizer ou Fazer
Rui Rio encontrou uma cidade transformada num estaleiro enlameado e deparou com inúmeros compromissos assumidos que condicionaram a sua acção. Recebeu pois uma “pesada herança”, com alguns imbróglios sérios que oneraram este seu mandato mas, três anos passados, há muitas dessas questões que estão por resolver e a pressão de fazer obra criou novos imbróglios. Ao mesmo tempo, quando se aproximam as eleições autárquicas, há indícios preocupantes de novos critérios que contradizem todas as opções anteriores, tomadas nomeadamente em sede do novo PDM.
Estamos todos recordados do discurso de Rio contra a densificação da cidade e a favor da preservação de áreas mais sensíveis, das suas críticas contra a especulação imobiliária. Ninguém esqueceu as suas declarações a propósito do projecto Altis, situado na Rua Diogo Botelho junto à Universidade Católica, uma obra que fora embargada por Nuno Cardoso e que o actual executivo viria a aceitar contrariado, temendo as eventuais indemnizações que poderiam resultar de um “chumbo” tardio do projecto, insuportáveis se somadas às previsíveis consequências para o erário da cidade que resultarão do processo Imoloc.
É curioso que essa visão de cidade pareça hoje ultrapassada e esteja ser invertida pelos serviços da Câmara, como se verifica em algumas UOPG (Unidades Operativas de Planeamento e Gestão). O caso mais infame tem a ver com a via Nun’Álvares e a sua envolvente, na continuidade da Rua Diogo Botelho. Essa via, prevista desde o Plano Director de Auzelle, deverá unir a Praça do Império à Avenida da Boavista. É uma via importante, paralela às Avenidas Brasil e Montevideu, que cruza as antigas quintas de Nevogilde. O anterior executivo encomendou um projecto que previa uma avenida de quatro faixas de rodagem e uma placa central ajardinada, semelhante à Avenida Marechal Gomes da Costa. Esse projecto (bem como as longas negociações com os proprietários) estava concluído e Cardoso chegou a anunciar o início das obras a poucas semanas do termo do seu mandato mas o projecto foi suspenso com a chegada no novo executivo.
O novo PDM apontava para uma solução compatível, sendo toda a zona da Avenida destinada eminentemente para moradias (unifamiliares, geminadas ou em banda), com cércea de rés do chão e dois andares. Melhorando a circulação e retirando alguma carga à frente marítima, a via complementaria o perfil existente nas ruas que atravessará, que tem nas Ruas do Molhe, Crasto e Padrão características vincadas de bairro residencial e era compatível com o bem preservado núcleo histórico de Nevogilde.
Surpreendentemente, a Câmara alterou a sua filosofia sem que tenha havido discussão ou anúncio público e desenvolveu planos de pormenor que alteram totalmente este conceito. A Avenida mantêm 4 faixas mas perde a faixa central ajardinada, e nas zonas envolventes, onde antes se exigia uma solução de moradias e se restringia mesmo a construção em banda, propõe-se hoje a construção de prédios de rés do chão e quatro andares devendo os pisos térreos ser reservados para lojas e serviços.
Ou seja, onde antes se previa a continuidade do bairro residencial e a salvaguarda do “miolo”, vai surgir pois uma nova espinha dorsal de circulação rápida, com prédios que devassarão as casas e jardins existentes, e toda uma zona de bares, restaurantes e esplanadas que adulterará de forma irremediável o perfil residencial dessa área, distorcendo e aquecendo os interesses imobiliários de alguns.
Talvez por isso, ninguém tem falado neste assunto que contraria tudo o que nos era dito pela edilidade, que continua em teoria a falar em desenvolver e recuperar a Baixa e em preservar zonas sensíveis mas que age na prática de forma inversa. António Barreto escreveu um dia que a Foz e Nevogilde constituiriam um dos melhores bairros residenciais do Mundo, se não fossem os sistemáticos e sucessivos ataques da autarquia. Hoje, uns incultos provincianos, que não percebem a nossa cidade, estão a dar-lhe a machadada final, sem que se perceba se tem a chancela do poder político, sem que ninguém reclame ou proteste, ou diga que já basta."
A Junta não leu esse texto? Senhor arquitecto Pedro Aroso. o senhor também não leu? Fizeram alguma coisa ou acharam que era "conversa da má língua" de alguém que só cria problemas à brilhante governação da cidade? E os moradores, como o senhor Dário? Certamente apoiantes da maioria de direita, também não cuidaram de saber o que se estava a passar?
Já agora, para o Senhor Doutor Rui Moreira, uma pergunta também: Porque tem estado tão silencioso sobre questões da cidade? (Pode-me responder por email, se assim o entender.)