De: Cristina Santos - "A Sé"
Do que pude constatar, a população do Centro Histórico beneficia de uma rede de apoios bem estruturada e merecida. Se não fosse essa rede de suporte, a maioria deles viveriam sem dignidade, enterrados em camas encostadas a paredes cheias de humidade, em quartos onde cozinham, dormem e urinam.
Há pessoas jovens na faixa etária dos 40/50, com diversas enfermidades resultantes das vidas no limite. Essa rede de apoio, que desconheço se é a FDZH, todas as semanas os visita, leva a roupa para lavar, apoia a compra de medicamentos, e atende-os seja em circunstância for. Trata-lhes dos documentos para obterem uma reforma, trazem-lhes a roupa já lavada e engomada, esse serviço é prestado em equipamentos que foram feitos para servir a população carenciada, não se trata daquele apoio domiciliário normal, vai muito além disso. Há até uma zona de banhos, já que muitos não têm banho em casa.
No início estranhava como era possível uma técnica, suponho dos serviços sociais, poder dar-se ao trabalho de vir falar da situação dos velhinhos, dos aumentos de renda, das perspectivas que os velhinhos tinham para as novas casas, mas é assim no Centro Histórico, ultrapassam qualquer daqueles estúpidos limites que a Segurança Social impõe no apoio à necessidade. A maior parte dos residentes não fez descontos, tem uma pensão mínima, se tomassem todos os medicamentos a reforma não chegava, beneficiam de apoio para tudo isso e sem grandes formalidades. Quando alguma coisa não lhes agrada, ou quando desconfiam, dirigem-se a esses «Doutores» e confiam neles cegamente, porque funcionam como se fossem a retaguarda familiar, que há muito não têm.
Não sei identificar a instituição que está por detrás dessa rede, e assim perde o interesse estar a falar sobre o assunto, mas posso garantir que pessoas que vivam noutros locais não têm estes benefícios, não têm porque ali é mesmo necessário, são imensos os casos que precisam de um apoio próximo e especial.
A dinâmica económica de alguns agregados familiares: dizem que não arranjam emprego porque a conotação à zona é má, e ninguém os selecciona ou os entende. Os problemas familiares impedem também que cumpram horários, e uma série de requisitos. Passam mal, mas são alegres e motivados, não vejo que se queixem muito. De manha compram 10€ em cuecas e meias nos «chineses» em cada peça ganham 0.50€. A meio da manha já têm 20€, regressam à Sé e abastecem 20€ do mesmo produto, voltam para as ruas e tentam fazer mais 20€. Se puderem fazem 4 «voltas». À noite com o dinheiro que ganharam nesse dia compram a comida, «aqui ninguém passa fome», no dia do «Rendo» fazem igual, pagam pouco, afixam as facturas no estuque que vai caindo. Alguns ainda tentam pintar as casas todos os anos, com uma tinta barata dos chineses, fica mal pintado e piora a situação, mas eles tentam, e gostam de morar ali. Quando os tiram para o Bairro ficam impedidos de fazer este negócio, e choram, choram muito, e a sua situação piora a olhos vistos.
É isto que conheço da Sé, respeito aquelas gentes, embora reconheça que poderiam ter-se esforçado mais quando eram jovens, mas isso é talvez como eles dizem «Não valia à pena mênina, pode correri e saltar, o que Deus tiver para si à mão lhe há-de vir parar».
Ps - Fotos da Sé anos 60 (CRUARB) - a situação não mudou muito continuam a existir muitos edificios nestas condições de habitabilidade.