De: Cristina Santos - "Cada portuense é potencial revolucionário"
Cá por mim acho que em cada 10 portuenses, 6 apresentam um enorme potencial revolucionário – a própria cidade se configura numa predisposição guerrilheira, a cada esquina um grafiti, em cada quarteirão 3 sentidos proibidos.
A cidade ferve logo de manhã, tenta-se chegar ao emprego contornando os congestionamentos de trânsito, e não se consegue contornar o quarteirão - não há sentidos alternativos. Num acto de desespero desrespeitam-se prioridades e regras de trânsito, não tarda muito o condutor de trás apita e ameaça sair do carro com um bastão para nos ensinar a conduzir – uma troca de acenos – e já soltamos a camisa das calças.
Chegados ao destino temos o tradicional encontro com a gárgula de serviço, também ela revoltada com as desigualdades sociais e pouco disposta a aceitar que só temos 50 cêntimos para o parquímetro.
Parece que se passaram 2 horas e afinal ainda são nove da manhã, já há alguns sacos de lixo na rua e o próximo cliente é um revoltado típico, que fala alto e esgrime possibilidades sem argumento, ao bom estilo portuense.
Tomamos o café pela manhã na pastelaria da esquina onde os empregados gritam uns aos outros e não agradecem o pagamento.
Almoçamos na churrasqueira cheia de fumo em 15 minutos, não dá para fazer sala - apesar de parecer um canastro, o aluguer do estabelecimento é caro, e o patrão não se pode dar ao luxo de perder os clientes que aguardam de pé.
Vamos para o jardim ler o jornal, não há uma só notícia que reconforte o nosso estado de espírito, as pessoas são indelicadas, pouco familiares e usam e abusam de um vocabulário agressivo que ostentam como marca registada.
O Porto é uma cidade enervante, as desigualdades criam atritos entre uns e outros, não há conforto nem desfrute, a luta é constante. Pegamos no carro para ir para casa e a gárgula garante – até amanha Sô Doutor – chegamos à garagem o vizinho quezilento pôs outra vez o carro no limite do estacionamento, é melhor não dizer nada que o homem parece uma central nuclear.
Chegamos a casa subimos ao 3º andar e já ouvimos os irritantes sons do andar vizinho, o condomínio não trata do prédio e já não é agradável viver ali, das traseiras temos um cenário de telhados ultra brilhantes cobertos de telas e logradouros em ruína, e continuamos a pagar uma valente prestação.
Neste campo de minas ainda só são 9 horas não há tabaco, pegamos no carro outra vez para procurar o café mais próximo, vamos todos despenteados, com olheiras e o dono encara-nos com receio de algum problema, afinal nenhum comércio se mantém aberto nas redondezas - um comércio fixo e pequeno é o alvo fácil da revolta que emana do agravar das desigualdades sociais.
A cada dia que passa pensamos que isto não pode continuar assim, quando não nos acontece esta situação a nós, acontece a alguém que com nós se relaciona e apanhámos por tabela.
Por isto 6 em cada 10 pensam todos os dias em revoltar-se, se não é contra a Câmara é contra o vizinho, contra o condutor abusado, contra o homem das cargas e descargas...
Essa potencialidade esté em vias de aumentar e ser mantida nas gerações futuras, os jovens dos bairros e zonas degradadas não conseguem integrar-se em postos de trabalho, sem nada para fazer tendem a tornar-se revolucionários em causa própria – há sempre desses revolucionários para ajudar à manifestações mesmo que não sejam convidados.
Portanto fazer uma revolução no Porto é facílimo, basta tocar nos pontos certos e depois seria até difícil conter os tentáculos dessa revolução, não acho é que seja necessariamente por aí, pelo menos para já. Mas que potencial existe - isso é inegável.