De: F. Rocha Antunes - "Duas razões para os Dois sábados"
Meus Caros,
A revitalização do comércio é, para mim, a peça central do processo revitalização da Baixa. Concordo que o regresso dos habitantes é o que vai permitir dar sustentabilidade de longo prazo, mas é sempre um movimento mais lento do que a revitalização do comércio. Os primeiros novos habitantes serão sempre de nicho de mercado, e o habitante médio vem depois de os pioneiros se terem estabelecido. São sempre uns anos.
O comércio na Baixa tem possibilidade de se desenvolver mesmo que os habitantes demorem algum tempo a reocupar o centro da região porque beneficia de duas vantagens que se tornarão cada vez mais evidentes: a nova centralidade regional e o turismo.
A nova centralidade regional, criada pelo Metro e pelos comboios suburbanos, permite que a área de influência de cada loja na Baixa tenha aumentado significativamente. Nunca a Baixa do Porto teve tanta gente como agora a atravessá-la, e com o Corte Inglês em Gaia isso vai ser ainda mais evidente. O conceito de área de influência é determinante na localização de qualquer estabelecimento comercial e define a área de comércio com que cada loja pode contar para desenvolver a sua actividade. Essa área costuma ser medida pelos tempos médios de acesso dos clientes à loja e que, com a introdução de transportes públicos qualificados, aumentou substancialmente. O que permite que qualquer estabelecimento comercial destinado a mercados mais segmentados de toda esta vasta região tenha na Baixa a melhor localização.
As condições desta nova centralidade comercial são uma excelente oportunidade de negócio que em nada perde, racionalmente, para os centros comerciais. São realidades complementares, dispensando a guerra clássica entre as duas situações. Vou exemplificar com um caso real: as lojas de roupa alternativa que existem na Rua Mouzinho da Silveira. Essas lojas destinam-se a um público específico e menos massificado e, como tal, não faz qualquer sentido estar presente nos diferentes centros comerciais, que têm regras de rentabilidade do espaço muito exigentes. Contudo, e uma vez que são centrais em relação a toda a região, permitem atrair consumidores de uma área alargada, viabilizando comercialmente o negócio. A Baixa tem, agora que a lei das rendas vai libertar milhares de espaços comerciais bloqueados, a oportunidade de um grande renascimento comercial: as rendas baixas, determinadas por uma enorme oferta, permitirão a comerciantes de todo o lado desenvolverem negócios que têm um mercado alargado.
A segunda grande oportunidade é a do turismo. E o turismo é mais do que o turismo internacional, é também muito o turismo nacional e até, digo eu que moro no meio do Porto e vejo o desconhecimento que as pessoas desta zona têm da Baixa actual, do turismo local. Qualquer pessoa que decida passear no Porto tende a passar pela Baixa. Depende dos comerciantes criarem razões para que essas pessoas fiquem mais tempo e gastem mais dinheiro na Baixa do que gastam actualmente. E repitam a visita. E ainda mais importante, que digam aos amigos que a experiência foi boa.
É claro que as obras terão de acabar, que a limpeza tem de melhorar, que o estacionamento selvagem tem de desaparecer, que as pessoas da Baixa se habituem a encarar os visitantes não como carteiras que podem ser aliviadas de forma expedita mas como carteiras que podem voluntariamente abrir-se. Mas tudo o que é preciso para que isso aconteça é que os comerciantes abandonem de vez a guerra de alecrim e manjerona que decidiram travar aos centros comerciais, aprendam com esses centros comerciais as lições de cooperação e coordenação de esforços comuns e se concentrem em fazer aquilo que é essencial: criar serviços e produtos que sejam experiências agradáveis e únicas para os consumidores. Essa é a chave do valor do comércio. E o segredo que permitirá libertar o enorme potencial de valor que todos reconhecem à Baixa do Porto.
Francisco Rocha Antunes
Promotor imobiliário