De: Rui Valente - "Tripeiros"
Espero não vos aborrecer e ofender com a rusticidade do termo supra citado. Por tripeiro estabeleceu-se na história e no dicionário significar o portuense, ou todo o indivíduo natural ou habitante da cidade do Porto. Todavia, como parece haver entre nós quem ainda tenha dúvidas a este respeito, não me custa nada escrevê-lo e negritá-lo para melhor o apreender. Tempos houve em que, pelo seu alcance histórico, a palavra tripeiro estimulava o orgulho dos portuenses fazendo-os sentirem-se especiais. Não melhores ou piores do que outros, mas efectivamente distintos. Mas isso, ao que parece, pertence ao passado e se calhar, hoje, essa extravagância "bairrista" não passa é mesmo de uma grande balela. Aliás, pacovices e mitos parece ser a única coisa que ainda sabemos fabricar.
Os tempos são portanto outros e, como tal, está na altura de banirmos do nosso vocabulário frases como: "tripeiro de gema" ou "portuense dos sete costados" porque, para além de nada significarem de concreto, podem tornar-se ofensivas para alguns, particularmente para os portuenses que não morrem de amores por tripas. É então muito provável que dentro em breve comecemos a observar o "exemplo" dado e exportado - como sempre - pela capital para o resto do país e deixemos de ouvir os seus habitantes dizerem coisas como: "alfacinha à séria", ou "quem não é benfiquista não é bom chefe de família", etc., etc. O sentido metafórico destas expressões populares irá seguramente desaparecer, em nome dos bons costumes, da unidade nacional e do respeito por susceptibilidades extremas.
É claro que isso traz-nos alguns problemas interpretativos, como poderá ser o caso agora com a aproximação do Verão e das altas temperaturas que naturalmente o acompanham. É que, com o sufoco, podemos distrair-nos e cair na asneira de proferir obscenidades do género: "está um calor dos Diabos!". E, a páginas tantas, podemos ver o próprio Diabo bater-nos à porta a pedir satisfações...
Outra coisa que recomendo, principalmente aos meus conterrâneos adeptos da regionalização, é que, quando se referirem ao centralismo, tenham a delicadeza de evitar pronunciar o nome da cidade, vila ou lugar de onde ele provem (o centralismo). No nosso caso, limitemo-nos a dizer que vem da capital. É mais prudente. Só tem é um inconveniente: aos lisboetas vamos ter de passar a chamar capitalistas. E não é justo. Ainda não atingiram, todos, esse estatuto.
Rui Valente
Ps- Por adeptos da regionalização entendo todos aqueles que, não tendo a certeza absoluta da sua bondade absoluta, têm contudo uma garantia assimilada: é que as promessas de descentralização foi chão que deu uvas (amargas, digo eu), e já não convencem ninguém.