De: Rui Encarnação - "Ainda bem que existe o amarelo..."
Meu caro Miguel Carvalho:
Perdoe-me a expressão encomenda, se for entendido o artigo que escreveu como frete, serviço remunerado ou contrapartida de benesses. Não foi nesse sentido que utilizei o termo. Por isso, deixe ficar onde está a sua conta bancária e, já agora, deixe-se, também, ficar pelo Porto e pela Baixa, pois a cidade não se pode dar ao luxo de perder cidadãos activos - Já chega os que apenas aqui trabalham.
Também eu sou Paranhense de gema, nascido, criado e crescido até quase aos 30. E, tal como até aos 30, agora que os 40 já se aproximam continuo a viver nesta minha (nossa) cidade. Daí que conheça – como a palma das mãos – a rua da Alegria e todas as outras que desaguam na Baixa (onde trabalho há quase 15 anos, por sinal). Como pode ler no que escrevi (até em tudo o que escrevi), não pus em causa o Dr. Rui Rio. E a questão do Rivoli nada tem a ver com o Dr. Rui Rio. A questão do Rivoli é da cidade e da autarquia. Logo as decisões e as críticas são relativas a decisões e não a pessoas.
Para mim o Dr. Fernando Gomes merece-me tanto respeito quanto o Dr. Rui Rio, o Engº Paulo Vallada, o Dr. Fernando Cabral ou qualquer outro presidente. A questão do Rivoli, e aí discordo consigo, frontal e profundamente, tem quatro aspectos essenciais.
Um, prende-se com a eliminação de um trabalho que existia, com defeitos e qualidades, mas que mexeu com a cidade e gerou eventos, públicos, actividade cultural e mercado (para produtores, actores, bailarinos, músicos, entre outros). Essa eliminação foi feita sem contabilização de custos, nem estudo dos efeitos, isto é, se o corte radical e eliminação do que existia permite recuperação (designadamente por quem suceda ao Presidente da CM Porto e não sufrague a sua opinião) e, especialmente, sem se revelar o que se pretende atingir com essa eliminação tipo “poda camarária”.
O outro prende-se com aquilo que se pretende fazer de um teatro Municipal, que pertence à cidade e não ao Presidente da CM Porto, seja ele o Dr. Rui Rio ou outro qualquer. Acho inadmissível, para além de ilegal, que se conceda vantagens a um produtor privado, que não tem méritos reconhecidos nem provados, nem provas dadas da sua idoneidade na gestão das coisas e dinheiros alheios. E, para além disso, a solução La Féria é a pior de todas para a cidade no que respeita a “levar” os portuenses (mesmo os da área metropolitana) ao Rivoli. Basta pensar que numa temporada de seis meses – prática, até já anunciada, do Sr. La Feria – os portuenses irão uma ou duas vezes ao Rivoli. Frequência (que cultiva os hábitos e costumes) que a diversidade da oferta permite aumentar.
A terceira questão prende-se com o próprio processo em si. Como é bom de ver, e se ler os papéis verá que assim, é a justificação económica da concessão a, ditos, privados assentou num pressuposto falso de custos do Rivoli. O Rivoli não custava nem 20% daquilo que foi anunciado pela CM Porto. Essas quantias referiam-se, também, à Culturporto e aos custos da animação da cidade. Tais custos estão agora repercutidos na Portalazer, isto é, transferiram-se de entidade mas mantêm-se.
Um quarto e último ponto, prende-se com a perda de quem lá trabalhava, no Rivoli. Perdeu-se, segundo quem trabalha em teatro e no mundo do espectáculo, uma das melhores equipas técnicas do país. Isto num processo sem lei nem moral!
Dito isto, peço-lhe que, de entre os documentos que leu, me faculte a resposta da CM do Porto às diversas questões e cartas abertas que lhe foram dirigidas, e que me demonstre, com números ou com projectos, expectativas e projecções, a bondade da solução La Feria. E estou disponível para, até pessoalmente, trocarmos papéis e ideias.
A questão cultural e civilizacional é basilar para o futuro da cidade, pois não há requalificação que resista ao vazio de ideias e de pessoas, com ideias. E, já agora, como jornalista perspicaz e atento que é, acha adequada, e inocente, a crítica ao sistema judicial quando estão para breve as decisões que condicionam o futuro do Rivoli?
Fique bem