De: Rui Valente - "Uma breve fuga «À Baixa do Porto»"
Ainda sobre a polémica nacional, originada pela gazeta ao Parlamento dos nossos honoráveis deputados, dizia A. Lobo Xavier no último programa "A Quadratura do Círculo", da SIC Notícias: "se eu fosse convidado para os quadros dirigentes de uma empresa e me fossem impostos horários, não aceitava o cargo!" Não posso garantir terem sido textualmente estas as suas palavras, mas o significado é o mesmo.
Tenho até alguma simpatia por Lobo Xavier, mas não resisto a repudiar energicamente este raciocínio elitista típico de quem tem de si próprio uma ideia hipervalorizada e frequentemente desproporcionada com a realidade. Não estou, para o caso, a criticar a pessoa (que tenho como alguém inteligente e capaz), mas apenas a ideia, a ideia que se tem procurado instalar na nossa sociedade sobre as mordomias devidas aos políticos.
É que, se esta lógica de pensamento se pode aplicar pontualmente num quadro administrativo empresarial com currículo prestigiado, a mesma já não me parece fazer muito sentido se usada na actividade política. Nenhum governo português tem bom currículo, em termos de efeitos práticos para o país. É só uma questão de historiar os vários Ministérios, um a um, e ver o efeito ou o impacto que tiveram no nosso desenvolvimento para não ter a mínima dúvida. Talvez encontremos uma ou outra excepção, um Ministério circunstancial, mas não passa disso.
Há muito que se vem tentando impingir na opinião pública a mensagem de que se a política não for bem remunerada, torna o desafio pouco estimulante para os mais qualificados e por conseguinte o seu prévio afastamento das tarefas de Estado. Por outras palavras está a insinuar-se que abraçar um cargo governativo é precisamente o mesmo que desenvolver um cargo directivo numa qualquer empresa (por maior que ela seja). Por outras palavras ainda, estão-nos a dizer, sem o confessar, que a dignidade de uma tarefa governativa já não é o que era, e tem um único nome, chamado: DINHEIRO! Muito dinheiro, muita dignidade. Pouco dinheiro, dignidade de saldo!
Assim sendo, se agora for esta a bitola usada para medir o tão apregoado sentido de Estado, se assim mesmo estendermos a nossa tolerância a ponto de aceitarmos este modelo mercantil de servir a Nação, resta-nos a consolação de ter obtido um resultado concreto: o da INCOERÊNCIA ABSOLUTA!
Notaram a conversão para maiúsculas das duas últimas palavras do parágrafo anterior? Não o fiz por acaso, foi intencional. A intenção é esta: sendo um dado adquirido e praticamente consensual que o saldo da actividade política desde Abril de 74 é manifestamente negativo, passamos a perceber melhor quão bem pagos têm sido os nossos governantes. Não será chegada a altura de lhes exigirmos a devolução de alguns milhões de euros, mal ganhos?
Pelos vistos, ainda há quem tenha achado pouco. Não dá para entender.
Uma sugestão: faça-se primeiro a obra, se ela for boa, pague-se bem, se for excelente, que se enriqueça, até, tais governantes. A gente até nem se importa, pois não?
Mas, antes, não. Pela minha parte, não dou mais para esse peditório, já chega, acabou.
Desculpem-me a dispersão ao tema do blog, mas tinha de falar nisto.
Rui Valente