De: David Afonso - "Rivoli: 1991-2007"
A argumentação da Câmara em resposta à providência cautelar interposta pelo PS para suspender a entrega do Rivoli ao La Féria é esclarecedora: «No âmbito das relações entre a Culturporto e o Município nunca se colocou a hipótese de ser celebrado um contrato de concessão de um serviço público. Já que manifestamente não há aqui nada que se assemelhe a um serviço público». É claro que estamos a falar de conceitos jurídicos que não devem ser descontextualizados da circunstância em que são aplicados e do conjunto da argumentação, mas… a verdade é que para autarquia "cultura" e "serviço público" parecem ser inconciliáveis como água e azeite. A não ser que se considere o automobilismo como uma expressão cultural e, aí sim, teríamos serviço público.
O Rivoli foi vítima deste neo-filistinismo que, não sendo invenção da actual gestão municipal, tem nela um excelente representante. Como foi anunciado - e não negado pelo site da CMP – o descalabro do Rivoli coincide com a gestão PSD/CDS, o que só quer dizer que a solução agora preconizada pela autarquia apenas é uma resposta ao problema por si mesma criado. E ainda há quem a elogie como quem elogia o miúdo traquina que quebra um vaso e que disfarça a asneira colando com cuspe os cacos ao mesmo tempo que despacha as culpas para o gato. É assim. A não ser que se acredite que tudo isto se trata de uma acção concertada para entregar o Rivoli ao La Féria. Se assim fosse teríamos aqui mais um daqueles recordes do Guiness que tantos adeptos têm por cá. Desta feita seria o prémio Guiness para a maior passadeira vermelha do mundo.
É claro que existem responsabilidades que devem ser assacadas à autarquia pela situação a que se chegou. Disto não tenho eu qualquer dúvida, da mesma maneira que não tenho qualquer dúvida sobre a responsabilidade dos agentes culturais que se deixaram dormir no ponto e até da própria cidade. Sim, da cidade. Um dia destes, o Carlos Dias fez-me chegar às mãos uma pequena entrevista que a Manuela Melo deu ao Expresso em 1991. Não sei se se lembram, era naquele tempo em que o Porto fazia lembrar uma cidade ou que, pelo menos, tinha pretensões de chegar a tal. Os tempos eram outros e existia uma coisa que os mais velhos se devem lembrar: um política cultural da Câmara Municipal. Foi justamente por aí que se iniciou o parto do Rivoli tal como o conhecemos hoje (o edifício, entenda-se). Dizia então Manuela Melo: «Cabe à Câmara criar as estruturas e os esquemas de gestão. Agora vamos ver qual a capacidade desta cidade de fazer juz àquilo que tem dito: que no Porto não há sítios para ir. Então, depois vão ter de participar, porque nada se aguenta sem público. Mas continuo a achar que existe uma grande apetência nesta cidade por acções culturais, e é com base nisso que estamos a investir.»
Mas a cidade mudou-se de cidade e a Baixa foi ficando cada vez mais vazia. Os cinemas foram os primeiros a encerrar e agora é a vez dos teatros. Em certa medida, até podemos dizer que a Culturporto conseguiu um pequeno milagre com as prestações que conseguiu atingir até lhe terem puxado o tapete debaixo dos pés. Na Baixa, as magníficas lojas que herdámos dos séculos XIX e XX desapareceram e os espaços foram sendo ocupados por chineses, paquistaneses e lojas dos 300. O Rivoli – Teatro Municipal desapareceu e deu lugar ao La Féria. Sinais dos tempos…
David Afonso
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