De: Cristina Santos - "A escola e o bairro"

Submetido por taf em Sábado, 2007-01-27 17:14

Os bairros sociais não criaram o problema, eles nasceram para remediar um problema que já existia. Parte da população era incapaz de pelos seus próprios meios criar hábitos e desenvolver soluções para as suas necessidades, outra boa parte considerou que uma casa «dada» pela câmara era uma solução para menos esforço e ascensão mais rápida.

O problema é que ao juntar esse enorme grupo de pessoas num só local, dando-lhes uma escola própria, jardins próprios, criamos uma cidade dentro de outra cidade, que hoje vive as suas próprias regras, e numa proporção tal, que deixou de existir solução definitiva. Os maiores bairros são como um doença incurável em que só resta minimizar os efeitos negativos. Não há sociedades perfeitas e há sempre parte da população que nem precisa de ser empurrada para se estatelar no chão, não tem equilíbrio, isso não é culpa de ninguém - é assim...

Resta minimizar os efeitos, mas acima de tudo precaver o futuro, as crianças. Penso que se deve acabar com as escolas e creches no interior dos bairros, porque não funcionam. Aquelas crianças merecem conhecer outro tipo de crianças que não as dos bairros, merecem sair daquele ambiente, não é sair dali com 10 anos ou 16, têm que conviver no mundo da forma que ele é, não na forma como o bairro o apresenta.

Em meados dos anos 90 estive em algumas escolas para potenciar a integração dessas crianças, era mais ou menos impossível, não podia controlar as crianças porque era controlada pelos pais. Um dia solicitei à CMP que me remetesse verba ou quitoso, foi um grande alegria quando me enviaram uma caixa cheia desse desparasitante, sabem o que aconteceu? Algumas das meninas chegaram-me à escola de cabelos rapados, cheias de vergonha e tristes por perderem os seus lindos cabelos, e tudo porque não percebi atempadamente que deveria juntar às embalagens uma nota a dizer que o remédio era suficiente.

Havia avós a levar os meninos pela mão à escola, com todo o carinho e cuidado, mas na turma existiam 2 ou 3 que abeiravam a situação de serem recambiados para o ciclo, que requeriam o tempo só para eles, era impossível arranjar solução para que 2 ou 3 não estragassem a turma toda. Se estavam dentro da sala boicotavam, se estavam fora atiravam pedras e diziam palavrões. Se alguém os reprimia, vinha logo um grupo de pais alarmados que insultavam enquanto diziam que os seus filhos não diziam palavrões.

Se fossem obrigados a frequentar outra escola, talvez os pais não os levassem, porque efectivamente eles tinham toda liberdade para sair e entrar na escola, as aulas a decorrer e os meninos no bairro, só iam quando lhes apetecia. Se havia aqueles que ficavam na 1ª classe até aos 14 anos, havia aqueles que ao saber escrever o nome pareciam flechas até à 4ª, mas na verdade nem quase sabiam ler.

O sistema, esse tinha-se demitido há muito, depois de carros com vidros partidos, de cabeças rachadas, de despejar a pasta da professora pela janela, de insultos. Os espaços para desporto existiam mas estavam fechados, se abrissem era com controle, se alguém cortasse a rede no outro dia estava tudo partido e esta era realidade aceitável, não conheciam outra salvo raras excepções, reinava a impunidade.

O desemprego ia aumentado, porque as necessidades e ambições eram poucas, o rendimento mínimo cobria bem as despesas, no início do mês tomavam pequeno almoço no café, depois o que tivessem era sempre suficiente, as famílias eram numerosas mas ninguém morria de fome. O resto... bem não havia necessidades para além das básicas. As crianças também não conheciam muito para além das novelas, a vida dos pais... e o seu objectivo principal era quase sempre - ajudar a minha mãe.

Enfim, já me estou a desviar, isto de textos curtos não é para mim, fica a nota das escolas e em relação ao vídeo trazido por António Alves deixo o apontador para esta notícia: Blogueros y periodistas comparten banco en un importante juicio de EEUU. Podia acrescer o trabalho que a CML tem feito graças a blogues, mas fica para depois.
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Cristina Santos