De: Rui Encarnação - "Tristes Comparações"
Tenho lido com atenção e interesse a “saga” comparativa de David Afonso. E é com pena que tenho de confessar não encontrar nenhum motivo de júbilo, alegria ou orgulho nos resultados das comparações. Só quem não nasceu, viveu e cresceu nesta cidade é que poderá estranhar que, decorridos tantos anos do 25 de Abril, a comparação entre as duas maiores cidades do país se cifre num resultado tão negativo para o Porto.
Sem querer alimentar questões partidárias ou de “esquerdas e direitas”, pois não me revejo em nenhuma delas e, muito menos, em qualquer organização partidária, penso que não erro se afirmar que até à década de 90 o Porto era uma cidade em que pouco ou nada acontecia.
Lembro-me de ser comum e geral o sentimento de que nos noticiários televisivos os acontecimentos do Porto tinham 3 minutos de exposição – quando eram muito, muito relevantes – ao passo que as incidências da vida da capital eram estendidas e dissecadas durante grande parte dos mesmos.
Lembro-me de ser comum e geral a ideia de que qualquer artista ou profissional das artes tinha de “ir para Lisboa” se quisesse singrar e, principalmente, viver da profissão.
Lembro-me de que, na minha faixa etária (tenho agora 37 anos) havia uma ideia presente de que pouco ou nada de interessante havia para fazer, ver ou ouvir. As vontades e expectativas de quem quisesse ser músico, pintor, escritor, actor, encenador, cineasta, ou qualquer outra profissão com estas relacionada, era sempre, e de raiz, censurada por pais, família e amigos, sempre com o argumento da necessidade de deslocalização para Lisboa ou para o estrangeiro e com a promessa (quase certeza) da fome e miséria para quem permanecesse nesta Invicta urbe.
Penso que também não erro quando afirmo que na década de 90 foi de alguma forma ultrapassado – ou tentado ultrapassar – esse cinzento enevoado das décadas anteriores. Na década de 90, senti que a cidade se alegrou e começou a sair à rua, a gostar de ver animação e espectáculos, na Rua, nos teatros, nos jardins, e, também, a estar mais atenta às actividades e iniciativas que se passaram a realizar. Sim. Sem a certeza da quantificação dos factos, creio que foi evidente que nessa década de 90 a própria CM do Porto investiu fortemente na dinamização cultural da cidade, seja através da recuperação do Rivoli, seja através de todo um conjunto de eventos que foram desde o cinema, à moda, passando pelo teatro, novo circo e música. Creio que também não erro quando afirmo que na década de 90 (e até 2001) o Porto passou a estar e ser mais visível, quer em termos nacionais, quer internacionais, principalmente porque passou a ter uma actividade que gerava factos que interessavam aos media e às pessoas.
Tudo isto para, segundo o modelo comparativo de David Afonso, chegar à triste, mas inevitável, conclusão de que, a partir de 2001, o Porto jamais voltou a ser modelo, assunto ou notícia por qualquer uma dessas vertentes. Essa ausência de notícias vem, exactamente, da ausência total de iniciativas com visibilidade e interesse.
E, descansem as almas tripeiras, que também não será o Sr. La Féria que trará o Porto para as luzes da ribalta. Como já se viu em Lisboa, La Féria reserva para si mesmo o lugar central na focagem do holofote e, como se pode constatar, pouco ou nenhuma visibilidade, interesse e “tempo de antena” lhe tem sido dado nos últimos anos quer na imprensa nacional, quer nas televisões generalistas, quer nos canais que dispõem de programas dedicados às artes de palco.
Daí que, tristemente, tenho de reconhecer o acerto das comparações do David Afonso e, com mais tristeza, ainda, reconhecer que o Porto “andou para trás”, deitando a perder aquilo que construíra durante mais de uma década.
E, se é certo que também andámos (nós, tripeiros) para trás no poder de reivindicação por um tratamento de igualdade e paridade com a capital, certo também é que, nestes últimos anos, nos colocámos exactamente na posição em que não deve estar quem reivindica. Numa cidade que nada quer fazer e em que nada acontece, vamos reivindicar o quê e para quê?
Enquanto fomos o parente pobre que não teve herança nem fortuna, mas que protestava e reclamava quinhoar na riqueza centralista e fundava esse seu direito na actividade, empenho e capacidade de progressão, sempre pudemos aspirar a que, pelo menos por vergonha e pudor, o poder central fosse satisfazendo algumas das nossas reclamações.
Lembrem-se que toda a minha geração (e muitas outras) foram educadas a “saber” que o Porto não podia ter Metro porque não era possível fazer escavações (com excepção da famosa graça do 1º de Abril que sempre se publicava num dos jornais da cidade) e que não valia a pena haver espectáculos no Porto, porque aqui se trabalhava e as pessoas não saiam à noite.
E que só com o lançamento inevitável dessas iniciativas é que as mesmas se tornaram realidades, mesmo com recurso aos fundos comunitários – como sucedeu com o Metro e com a recuperação do Rivoli – pois, se aguardássemos pela viabilização financeira das mesmas pelo Estado Central ainda hoje o Metro não passava das folhas do Notícias no dia 1 de Abril e o Rivoli ainda era uma Danceteria ( entre a disco e o La Féria, não sei se não ficamos a perder...)
Agora, infortunadamente, não podemos pedir nada. Mais, até nos atrevemos a não pedir nada e censurar os que pedem. Parece que estamos muito bem como estamos e não temos direito a mais nada.
Eu sei que por ser tripeiro a névoa e o cinzento fazem parte da minha paleta cromática da vida, que mesmo com nevoeiro e cinzento os meus olhos distinguem as formas e as cores da cidade, mas, como tripeiro, também me angustia e entristece não ver aquela nesga de sol que anuncia e prenuncia o dia claro e brilhante que se segue à névoa.
Rui Encarnação