De: F. Rocha Antunes - "Quinta da China"
Meus Caros,
Começo por fazer uma declaração de interesses. Sempre ouvi as minhas tias avós dizerem que a Quinta da China teria sido, há muitas décadas atrás, de um dos ramos da minha família e faz, por isso, parte do meu imaginário. Além desta vaga e imprecisa memória familiar, não conheço mais nada sobre o que lá se passa. E visivelmente tenho muito menos informação sobre o actual processo que o Arq. Pulido Valente.
O primeiro aspecto que gostaria de destacar é precisamente o da falta de informação. Estamos todos a falar muito mais com o que imaginamos que possa ter acontecido e estar a acontecer do que com a informação suficiente para podermos ser úteis. O que é mais do que lamentável, e é o exemplo de como não se deve gerir a coisa pública. Se há ocasiões em que os cidadãos interessados podem ser úteis é num caso destes, como o da Quinta da China. E os políticos não perceberem esta evidência é, além do mais, um desperdício para a comunidade. Se o site da Câmara publicasse toda a informação existente na CMP sobre o assunto, poderíamos todos ajudar muito mais a perceber, primeiro, qual a dimensão real da questão, e segundo, a haver questão, como poderia ser resolvida. A presunção de que os representantes do povo são necessariamente mais conhecedores e capazes de tratar os assuntos que a todos importam já ruiu há demasiados anos para que ainda provoque engulhos. Isto deveria ser ainda mais evidente quando há uma elevada rotação de vereadores na pasta do urbanismo e mobilidade, mas nem assim. Um dia os políticos irão perceber que a forma como tratam os seus concidadãos é a chave da sua credibilidade. Não roubar é condição necessária mas já não suficiente. Eu não me vou cansar a alvitrar o que se passa por ser um exercício que me parece inútil. Prefiro concentrar esforços em exigir mais informação sobre o que se passa.
O segundo aspecto, sempre latente nas discussões sobre estas coisas no Porto, é aquilo que alguns teimam em achar que é uma visão actual da cidade, a da altura máxima aceitável para os novos edifícios. Existe um horror patológico à altura dos prédios, provavelmente resultante de uma visão predominantemente rural do mundo. Há sítios onde não deve existir construção nenhuma, seja de que altura for, e provavelmente é o caso das escarpas do Rio Douro, onde se inclui a Quinta da China, e há outros sítios onde o que se deve fazer é prédios altos de forma a libertar o máximo de espaço público, como por exemplo junto da Circunvalação. A ideia redutora de que há uma altura máxima para os prédios em toda a cidade é que está errada. Eu sou um acérrimo defensor do respeito pelo edificado onde ele é valioso, e um igual defensor do alto e verde nas zonas menos qualificadas da cidade, que são muitas. Prefiro que nas zonas novas os prédios sejam altos e libertem espaço público a serem baixos e ocuparem o todo o terreno. Além de ser economicamente mais racional, é ambientalmente mais sustentável.
O último aspecto é o do urbanismo da CMP. Não é aceitável que ao fim destes anos todos ainda não exista uma posição sólida sobre os projectos do último mandato socialista. De uma vez por todas é preciso saber-se se as Normas Provisórias alguma vez tiveram sustentação legal (eu sei qual é a tua opinião, JPV) e que custos existem para a cidade, ou não, da mudança de política urbanística. Este assunto da Quinta da China é um dos muitos que faltam esclarecer. E como estamos a falar do nosso dinheiro, é essencial que todos os políticos, incluindo os que saíram e que agora se apressam a dizer que subscrevem acções populares, nos expliquem o suporte legal das decisões que tomaram em nosso nome. Numa cidade com tantos cidadãos interessados escusam de continuar a assumir que não existe capacidade da nossa parte de entender assuntos complexos. Existe. E podemos ser muito mais úteis do que imaginam. Nem que seja a apoiar posições difíceis se for esse o caso.
Francisco Rocha Antunes
Promotor imobiliário
PS. Cristina, o problema da habitação a custos controlados no Porto sempre foi a falta de existência de terrenos a preço compatível. Qualquer promotor adoraria fazer essas casas aqui, mas não há terrenos. Se houvesse outra visão do urbanismo na CMP, poder-se-ia utilizar instrumentos correntes noutras paragens, como a majoração de índices de construção aos promotores imobiliários que disponibilizassem terrenos a custos pré-definidos para esse tipo de habitação. Chama-se a isso fazer cidade.
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Nota de TAF: De facto há um limite legal baixíssimo para o peso do custo do terreno no preço final da habitação e que na prática inviabiliza completamente a classificação de "custos controlados" em zonas urbanas.