De: José Leitão - "O Príncipe e Tartufo de mãos dadas na reunião da CMP"
Nestes últimos dias no Porto, a chamada “democracia representativa” esteve no seu melhor. O tal “estado de direito” também. Este Outubro portuense foi (é, mas tem de deixar de ser) o Outono do nosso descontentamento. Os factos aqui passados com o movimento de protesto contra a privatização da gestão do Rivoli e todo o enredo maquiavélico que culminou com o “chumbo” do apoio ao Festival “Fazer a Festa”, por o Teatro Art’ Imagem se recusar a assinar a cláusula censória que obriga “a abster-se de, publicamente, expressar críticas que ponham em causa o bom nome e a imagem do Município do Porto...”, mostram à saciedade e à sociedade do que é capaz esta maioria “democrática”, que nos governa como vassalos despojados de todos os direitos de cidadania.
Em ambos os casos o silêncio e a cobardia políticas foram as deixas utilizadas pelos dois principais actores - o Vereador da Cultura e o Presidente da Câmara, que não souberam subir ao palco da democracia para representarem os um dos papeis para que foram escolhidos: dialogar com os seus oponentes e defender em público os seus argumentos. Não souberam pois governar em democracia. Estes actores não mereceram a escolha.
Foram, afinal, dois “Homens sem Cara”, título premonitório da peça que o Teatro Art’ Imagem estreará no próximo dia 8 de Novembro.
Quando os governantes deixam de ouvir os seus “governados” e atiram para o caixote do lixo abaixo-assinados com mais de dez mil assinaturas, o que nos resta? A indignação contra a “indignidade democrática”.
E, a propósito: chamar “ocupas” aos que sempre estiveram no Teatro Rivoli para verem ou apresentarem espectáculos, é, pelo menos, um erro de “semântica”. Ocupantes são os que nunca por lá passaram (ou fizeram-no em desfiles políticos), porque sempre fugiram da cultura como o diabo da cruz. Ao legar a responsabilidade da gestão do nosso teatro municipal para outras mãos que não as do município, o Presidente democraticamente eleito, e que se esqueceu de referir este “pormaior” no seu programa eleitoral, exime-se a cumprir uma das principais tarefas do seu mandato: a defesa do património cultural e identitário da cidade.
Que desolação democrática foi ver a atitude da maioria em Reunião de Câmara, onde se pediu a retirada da queixa-crime, sem uma única palavra, sem um único argumento, utilizando apenas o seu voto e o seu silêncio. É pouco em democracia. Os problemas políticos e de cidadania não são casos de polícia.
No outro caso do dia da dita reunião: a votação do protocolo de atribuição de apoio ao Teatro Art’ Imagem, pela realização do Festival “Fazer a Festa”, o senhor Presidente, democraticamente eleito por maioria absoluta, “travestiu-se” de Tartufo. O seu voto e da sua bancada a favor do Protocolo foi um acto de requintada hipocrisia política. O Senhor Presidente sabia que o Art’ Imagem não assinaria o Protocolo com a cláusula censória - há mais de dois meses que a vem recusando. Ao agir assim atirou o ónus da culpa para a oposição, que tem vindo a votar contra os protocolos que incluem a proibição de tecer críticas ao município.
Mas foi-se mais longe: para que a opinião pública ficasse com a ideia de que o subsídio chumbou por causa dos votos contra da oposição, o CDS/PP pela primeira vez não vota com o PSD, abstém-se. Para “viabilizar o subsídio” declara em jeito de Tartufo Júnior, Álvaro Castelo Branco, “popular” de partido e Vice-presidente da Câmara. O Príncipe dá então a mão a Tartufo.
Mal vai a maioria absoluta que das regras da democracia só conhece o voto. Que esta semana “horribílis” lhes caia democraticamente em cima. Afinal quem põe em causa a imagem do Município do Porto?
Termino com as palavras de um actor Galego a quem dei conta do ponto censório que consta do protocolo de apoio à actividade cultural: “volta, Salazar, estás perdoado!”
T’arrenego Satanás, digo eu, fazendo figas.
José Leitão
Declaração de interesses: director do Teatro Art’Imagem.
Nota final para os Senhores Vereadores da maioria: “Tartufo” é uma peça de Moliére, traduzida em português e facilmente acessível, em qualquer livraria. De “O Príncipe” de certeza já ouviram falar.