De: Pedro Leitão - "A cultura de escalas"
No meu último texto aqui publicado, expus no parágrafo final o conceito de cultura de escalas, a propósito das etapas a tomar para se estabelecer efectivamente no Porto uma forte atitude cosmopolita entre a população. Pretendo pois, agora, aprofundar este conceito e desenvolver as suas possíveis ligações práticas e consequências na vida da cidade.
Tal como já defendi anteriormente, para a sustentabilidade a todos os níveis do panorama cultural portuense (em que se inclui os dois tipos de gestão, pública e privada) é preciso garantir uma optimização da oferta segundo a escala do mercado a que se destina essa mesma oferta. Isto mesmo, exposto de uma maneira mais simplista, implica que as produções que consigam captar maior afluência de público devam ocupar os espaços de maiores dimensões e as dirigidas a tipos de mercado específicos, espaços menores (não significado isto piores condições). Assim evitar-se-ia, por exemplo, que salas com capacidade para centenas de pessoas estejam sistematicamente sub-ocupadas, com apenas algumas dezenas de espectadores na maior parte dos espectáculos. A nível financeiro (tantas vezes negligenciado e continuo sem saber porquê) isto traduzir-se-ia numa maior proporcionalidade entre o custo de aluguer das salas e a capacidade de uma produção de gerar receitas de bilheteira para o poder suportar.
Ás produções de “menor público” (sublinhe-se que, à partida, em nada são artisticamente inferiores às de maior afluência de público) seria atribuído um papel tão ou mais importante no processo de cosmopolitismo da cidade, com o peso da tarefa de formação de públicos e das suas exigências qualitativas a nível cultural a seu cargo. Deve-se ter em conta que até aqui este papel também tem sido principalmente desempenhado por esta oferta cultural restrita; mas com pouca eficácia, pois é efectuada a um nível muito distanciado das populações. A formação de públicos ao nível de freguesias e zonas dentro da cidade, ou seja, ao nível mais próximo da população teria um efeito mais eficaz, bem como o reconhecimento por parte das pessoas desse serviço (verdadeiro serviço público e, além do mais, com maior grau de sustentabilidade!).
O principal problema nesta matéria será o estado de abandono em que se encontram os espaços disponíveis para a realização destas produções e que se tem agravado ao longo das últimas décadas, causado, fundamentalmente, pelo desinteresse do investimento cultural (em geral) em manter este nível de proximidade com as populações. O financiamento à Cultura por parte da câmara (que tanto se tem discutido nos últimos tempos) deveria ser então direccionado para a reabilitação (ou parte dela) destes espaços. Ainda que seja inevitável o recurso ao financiamento privado, a câmara terá o dever de garantir aos investidores culturais facilidades junto desses financiadores.
A realizar-se este plano de futuro, estaria criada uma rede urbana de oferta cultural ao mais alto nível de qualidade e, ao mesmo tempo, ao nível mais próximo da população real, contribuindo para a revitalização de algumas zonas “mortas” a nível de animação e oferta cultural. Além disso seria um pretexto para a reabilitação dos inúmeros espaços culturais que se encontram em acelerado processo de degradação, alguns dos quais com incontornável valor histórico para a cidade. Entre estes espaços encontram-se antigos cinemas, teatros, estúdios, museus, salas com capacidade para acolher a diversidade de oferta que uma cidade culturalmente cosmopolita exige (lanço o desafio, a quem o aceite, de elaborar uma lista com todos os espaços que se enquadrem nesta categoria e se encontrem actualmente abandonados).
Pedro A. Leitão
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