De: Nuno Casimiro - "Rivoluções"

Submetido por taf em Sábado, 2006-10-21 16:15

Reenvio mensagem que me parece responder a algumas das dúvidas e questões aqui levantadas, para além de tentar rebater um dos mais deselegantes exercícios de manipulação saídos na imprensa nacional.

cordialmente,
nuno casimiro

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From: Nuno Casimiro
Date: Oct 20, 2006 1:21 PM
Subject: rivoluções
To: José Pacheco Pereira

Caro Dr. José Pacheco Pereira

O texto por si ontem publicado é uma das mais absurdas e completas manipulações demagógicas que tenho lido nos últimos tempos. Surpreendeu-me, vindo de si.

Vamos então por pontos:

"Já que não há revolução, o Bloco de Esquerda dedica-se à "Rivolição", a ocupação do Rivoli no Porto, por um grupo de "artistas" ligados ao Teatro Plástico, contra a "privatização" da sala."

Do grupo de pessoas que ocupou o Rivoli, apenas o Francisco Alves faz parte do Teatro Plástico. Os restantes elementos são, para além de alguns espectadores, profissionais de diversas áreas das artes, colaboradores de diferentes estruturas e instituições (aqueles que o Dr. Pacheco Pereira designa com sobranceria de "artistas"). Sobre as ligações ao Bloco de Esquerda, não há grandes dados que permitam deduzir tal conclusão ou qualquer outra. A julgar pelos manifestantes no exterior, e desde que foi anunciada a intenção do executivo, o leque de simpatias partidárias dos intervenientes é saudavelmente alargado.

"os do Plástico permanecem dentro do teatro, pouco mais do que 20 pessoas, e cá fora, após apelos sucessivos e apesar da grande cobertura televisiva, estão mais umas dezenas, não chegando o total a cerca de 50."

Saltemos a falta de cordialidade que "os do Plástico" revela (sobretudo vindo de quem mais adiante mostra alguns pruridos pelo facto de o comunicado se referir ao senhor presidente da CMP por "senhor Rui Rio"). Cá fora, houve o permanente apoio de centenas de pessoas que se revezaram na vigília e que foram providenciando todo o tipo de apoio a quem estava dentro ou fora do Teatro Municipal. Quanto à alteração da realização do concerto do Luís Represas, ela decorreu apenas da decisão da Culturporto que alegou "razões de segurança" para cancelar o espectáculo. Receio talvez que "os do Plástico" atacassem algum dos espectadores.

"Os "rivoltosos" representam uma face visível da orfandade que no Porto atingiu uma pequena multidão de "agentes culturais" a quem o Porto, Capital da Cultura e a política "cultural" da municipalidade socialista tinha enchido de dinheiro, subsídios e "prestígio". Essa orfandade atinge uma elite cultural subsidiada numerosa, que alimenta uma nostalgia activa dos bons velhos tempos do binómio futebol-"cultura" de Fernando Gomes. Milhões de euros foram gastos em animação "cultural" nos anos fartos e agora, como veio um tempo de vacas magras e um rebound com a gestão severa de Rui Rio, o autarca "contabilista" que privilegia as despesas sociais, temos a "Rivolução"."

Confesso a minha ignorância mas, das 18 estruturas que existiam até há não muito tempo na cidade, para além das escolas vocacionadas para o ensino artístico, não são muitos os sinais exteriores de riqueza dos implicados. Quanto ao prestígio, a julgar pelo estilo sobranceiro do seu artigo, não será muito. Pode-se discutir com seriedade os erros e más políticas de Fernando Gomes mas quanto à seriedade do actual edil, convém não perder de vista as preocupações de Rui Rio manifestadas no seu primeiro gesto grandiloquente de "política cultural": a eliminação dos apoios ao FITEI e a atribuição, quase na mesma altura, de um subsídio de largos milhares de contos para a festa da Rádio Festival, entidade privada e sem notícia de atravessar grandes dificuldades financeiras.

"No Porto, como em Lisboa e um pouco por todo o lado, à medida que o Estado se foi tornando mecenas, depois produtor-empregador e, por fim, criativo-empregador, foram destruídas todas as iniciativas autónomas, que não eram dependentes dos subsídios, mas sim do interesse do público ou da actividade empresarial no sector."

Foi graças à intervenção do Estado que, após o início da década de 90, se tornou possível a criação de um tecido cultural no Porto com o TNSJ, o ANCA (agora, TeCA), o Rivoli, o Teatro Helena Sá e Costa e o Teatro do Campo Alegre. Estas infra-estruturas corresponderam à emergência de profissionais e públicos, não foram fruto da actividade privada e, sobretudo, não são incompatíveis com a existência de todo o tipo de propostas de programação/criação.

"O objectivo deste caderno reivindicativo não é protestar contra qualquer censura existente - é impedir a gestão privada do Rivoli para assegurar que o dinheiro público flua sem custo nem critério, garantir emprego e subsídios sem que nunca ninguém se atreva a contestar a sua qualidade "artística" e os seus resultados e, muito menos, o terem ou não espectadores. Isso só o próprio Teatro Plástico pode julgar, porque "uma programação de qualidade" dá origem a " objectos exigentes para consigo mesmos e para com o público a que se destinam". Reparem no preciosismo que mostra como esta gente sabe muito bem o que está a dizer: não é o público, mas "o público a que se destinam", ou seja, outros grandes artistas com a dimensão estética dos membros do Teatro Plástico."

Só com uma boa dose de desonestidade intelectual se pode deduzir o que aqui é dito. O caderno reivindicativo exige apenas que um equipamento pago com dinheiros públicos e comunitários não sirva uma lógica subjugada ao lucro. Pedem-se garantias da manutenção de um serviço público num equipamento municipal. O dinheiro público, só porque é usado na cultura, não deixa de obedecer a regras rigorosas de controlo. O dinheiro não "flui" sem critérios: no caso das empresas públicas, há relatórios e contas, no caso dos apoios à criação ou apresentação, há regras rígidas e públicas que controlam a atribuição de qualquer subsídio. Nem sequer é essa a questão que aqui está em causa mas, já agora, como aparentemente não sabe, o Rivoli neste momento apenas concede que os espectáculos sejam lá apresentados. Já há muito que o actual executivo deixou de apoiar a co-produção, sequer a publicidade pelos meios institucionais da CMP, bastante ocupados na divulgação dos méritos do seu presidente. Quanto à opinião que emite sobre o trabalho do Teatro Plástico (apontando para um conhecimento generalizado do que se faz pelo Porto), deduz-se que resulta de um acompanhamento regular da sua actividade. Saúdo-o por fazer parte desse público que diz tão reduzido e elitista. Já agora, atendendo a que o executivo da CMP faz gala de não fazer parte dos habitués do Rivoli ou dos outros espaços culturais da cidade, sugiro que o Dr. Pacheco Pereira, pelo conhecimento demonstrado e pela proximidade que tem do mesmo, possa transmitir a sua opinião avalizada sobre a qualidade dos espectáculos a quem de direito.

"O Teatro Plástico acaba de apresentar uma semana de "objectos", deliciosa linguagem, no Rivoli com uma média de 30 espectadores, numa sala que custa 11 milhões de euros ao município e cujas receitas de bilheteira pagam apenas 6 por cento dos custos."

A mais recente produção do Teatro Plástico, por se realizar em diferentes espaços (além do Rivoli) com lotações reduzidas, não poderia admitir mais do que um número bastante limitado de espectadores por sessão, pouco superior à média de 30 que recebeu. A julgar pelo resto do seu discurso, espanto-me que não se tenha apercebido disso aquando da sua ida ao espectáculo. Precisamente porque uma sala de espectáculos implica custos fixos elevados, deverá ser rentabilizada através da sua ocupação e utilização para os fins que levaram à sua construção. A opção deste executivo foi precisamente a de esvaziar essa possibilidade, criando estruturas paralelas, em desastrosas manobras de gestão, ao duplicar competências, orçamentos e desbaratando mão-de-obra qualificada.

O senhor presidente da CMP tem todo o direito de não ler, de não ir ao cinema, ao teatro, à ópera, assistir a concertos ou bailados, frequentar museus e galerias, perceber que a cultura é muito mais do que ele pensa que é. Podia, nesse caso, entregar estes domínios a quem com eles se preocupe: através da discussão aberta a públicos e privados, associações e profissionais que, desde o início do seu reinado, poderiam ter assegurado uma política cultural séria. A sua opção foi, antes pelo contrário a de perseguir tudo o que lhe parecesse vagamente próximo da arte e da cultura até se aproximar da extinção de qualquer veleidade criativa na cidade.

"Sem crítica, que não existe, e sem público, a quem estes "objectos" nada dizem, a grupos como o Plástico resta apenas o espectáculo tonitruante da defesa do subsídio contra o papão dos ignaros "privados", através de acções para as televisões, a forma moderna de fanfarra. Estão a defender o seu, exigindo continuara a gastar o nosso."

Basta ler os três pontos das reivindicações apresentadas para verificar que ninguém ali pediu subsídios ou iniciou esta luta com esse fim. Como aparenta não saber, permito-me dizer-lhe que a utilização do Rivoli não constitui para os grupos que lá actuam uma fonte de rendimento. Discute-se a não cedência para uma empresa privada e com objectivos centrados no lucro um equipamento pago por todos nós. Ao contrário do que diz, procura-se que o nosso não seja oferecido de bandeja a alguns, mesmo que sejam seus familiares e mereçam o respeito da maior parte dos que vêm frequentando o Rivoli – Teatro Municipal.

Cordialmente,
Nuno Casimiro

PS: para que conste, sou prestador de serviços num organismo do Estado bem longe da cultura, não pertenço a nenhuma estrutura artística da cidade, nem sequer sou simpatizante do Bloco de Esquerda e sim, já fui ver espectáculos ao Rivoli. Até do Teatro Plástico. Das vezes em que colaborei com alguma estrutura ligada às artes, paguei os meus impostos em função do dinheiro que recebi, muito menos do que 5€ por hora.

Com sua licença, tornarei público o teor desta mensagem. porque há desonestidades que não são aceitáveis.

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nuno casimiro
Dactilógrafo