De: Andreia J. P. - "Do Apoio Judiciário e dos Advogados Estagiários"
Ultimamente tem sido deveras abundante o fluxo de notícias nas quais o M. I. Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados divulga as suas opiniões acerca do apoio judiciário e da participação dos advogados estagiários naquele sistema. Usando um pouquinho do direito de resposta que ainda temos permitam-me tecer os seguintes comentários/desabafos...
O nosso sistema judicial já viu melhores dias e do prisional nem se fala, quanto a isso creio que estaremos todos de acordo.
E a verdade, a sermos realmente sinceros, é que o apoio judiciário em Portugal não existe.
Ou será que alguém sabe realmente explicar convenientemente aquelas fórmulas intermináveis derivadas de outras e de outras ainda que determinam se um cidadão terá ou não direito a uma das diversas modalidades de apoio judiciário previstas na renovada Lei 34/2004?
E, francamente, não podemos esperar que o n.º 8 do art.º 8.º-A da dita lei venha resolver todas as iniquidades, pois não?
Isto para não falar do facto de, ultrapassados todos estes obstáculos, e vendo concedido o apoio judiciário na modalidade pretendida, (bom, sejamos sonhadores) na modalidade mais ampla da dispensa de custas e encargos com o processo, o cidadão não ter direito a escolher o seu defensor ou o seu patrono e ter que se contentar com o que lhe é apresentado/concedido.
Sejamos honestos, a possibilidade que a velhinha lei permitia de substituir o patrono nomeado por outro da escolha do patrocinado, contanto que este aceitasse o patrocínio oficioso, era muitíssimo mais justa, não? Se nos tocasse a nós, não gostaríamos de escolher o responsável pela nossa defesa ou pelo patrocínio da nossa causa em tribunal? Eu posso confessar-vos que sim, sem dúvida gostaria de escolher o meu ad vocatum.
E eis que quanto a isto, também eu entendo que não só o M. I. Senhor Bastonário, mas todos nós Advogados e Advogados Estagiários temos obrigação de pugnar por uma melhor defesa dos direitos e interesses legítimos de TODOS os cidadãos, de TODOS os seres humanos.
Quanto a isto, até os próprios cidadãos que tanto se têm indignado, junto com o M. I. Senhor Bastonário e contra ele, e mesmo os que têm ficado indiferentes a toda esta polémica porque lhes é externa e entendem que apenas a nós, advogados, diz respeito, todos têm obrigação de exigir aquilo que é o seu direito constitucionalmente consagrado de aceder em plenas condições de igualdade aos tribunais e ao sistema judicial, à Justiça, enfim.
Ora, a meu ver, nada do que vem de ser exposto significa que os advogados estagiários devam ser excluídos do sistema de apoio judiciário.
Os advogados estagiários são adultos, licenciados em Direito, quando não tenham já obtido qualificação académica superior, que se sujeitaram a uma triagem a que a própria Ordem dos Advogados chama "Fase de Formação Inicial", nos termos do seu Regulamento Nacional de Estágio (RNE).
Ao longo desta fase, que dura aproximadamente seis meses, o advogado estagiário frequenta sessões de formação promovidas pela Ordem do Advogados e simultaneamente acompanha o escritório do patrono, de molde a tomar conhecimento das práticas forenses e a, de alguma forma, familiarizar-se com os procedimentos e actos que virá mais tarde a praticar, se finalizar esta primeira fase com sucesso, na "Fase de Formação Complementar".
No final da "Fase de Formação Inicial" o advogado estagiário submete-se a três exames relativos às matérias que a Ordem dos Advogados considera essenciais para que possamos prosseguir para a segunda fase, que constituem a prova de aferição. Obtendo classificação positiva nos três, estaremos então aptos para aceder à "Fase de Formação Complementar".
É o próprio RNE que, no n.º 2 do seu art.º 2.º estatui: "A fase de formação inicial destina-se a garantir a iniciação aos aspectos técnicos da profissão e um adequado conhecimento das suas regras e exigências deontológicas, assegurando que o advogado estagiário, ao transitar para a fase de formação complementar, está apto à realização dos actos próprios de advocacia no âmbito da sua competência.”.
Assim sendo, muito se estranham agora as afirmações que o M. I. Senhor Bastonário vem reiterando no sentido da impreparação dos advogados estagiários para as tarefas forenses que lhes são cometidas.
Tanto mais que os advogados estagiários, nos termos do art.º 189.º da Lei 15/2005, de 26.01 (Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA), têm competência limitada, no âmbito penal, a causas da competência do tribunal singular, ou seja, salvo raríssimas excepções, a causas em que o crime sub judice seja no máximo punível com pena de prisão até cinco anos, e, no âmbito civil, a causas da competência dos tribunais de primeira instância ou de tribunais menores e em processos de divórcio por mútuo consentimento. Tudo salvo se acompanhados efectivamente pelo respectivo patrono, caso em que terão competência para qualquer acto.
Atento o que vem de se expor procure-se então responder à pergunta: Mas será que efectivamente existem pessoas que se encontram presas por causa dos advogados estagiários?
Não sei. Depende, como diria um Professor meu da faculdade.
Com certeza já terão havido situações em que um estagiário não fez o seu trabalho como o deveria ter feito por inexperiência. Mas com certeza também já existiram situações em que não fez o seu trabalho como deveria ter feito porque simplesmente é humano. E afinal, ser humano não é algo que se possa ultrapassar com um estágio.
E qual será o advogado que nunca teve nas mãos um caso sobre uma matéria totalmente nova para si?
Além disso, quantas vezes não terão já os advogados estagiários visto o seu trabalho comprometido pela falta de informação prestada por um cliente ou patrocinado, como, de resto, todos os advogados? Quantas vezes terão esperado por documentos em vão, como todos os advogados?
E as não raras vezes em que os advogados estagiários se dedicam com garra às causas que defendem, e as estudam e obtêm bons resultados para os seus patrocinados, por vezes contra todas as expectativas?
E, por fim, quanto às pessoas que estão presas... Lamento perguntá-lo, mas... Será que não deveriam tê-lo sido? Algumas, pelo menos… Será uma prisão injusta, uma má defesa?
Em suma, devemos lutar pelo acesso ao Direito e aos Tribunais, é um direito e um dever de todos. No entanto, os advogados estagiários não podem servir como "bode expiatório" para os males do sistema do apoio judiciário, sob pena de o seu núcleo, aquilo que é verdadeiramente importante não se alterar.
Uma maior ou menor qualidade do patrocínio forense depende, em última análise, de diversos factores, e não só da idade, da experiência, ou de um apêndice no título. Existem bons advogados estagiários e maus advogados estagiários tal como existem bons advogados e maus advogados, e isto quer no patrocínio oficioso quer na praça, e depois, há uma série de factores que podem determinar que um bom advogado numa área não o seja noutra, as variáveis são infindáveis...
Afinal, não nos esqueçamos, os advogados de hoje já foram advogados estagiários, assim como nós, advogados estagiários, seremos os advogados de amanhã.
A Advogada Estagiária
Andreia J. P.
--
Nota de TAF: apesar de aparentemente este assunto ser um pouco fora do âmbito deste blog, pareceu-me ser de publicar atendendo ao impacto directo que o mau funcionamento da Justiça tem na situação do Porto e do Norte, conforme eu próprio já há anos venho escrevendo.