De: TAF - "Caríssimo Bispo do Porto"
Caríssimo Bispo do Porto
Permita-me escrever-lhe assim, sem protocolos, sobre as cerimónias na Sé em que participei nestes últimos dias. Faz agora cerca de um ano desde que assumiu esta missão no Porto. Já na altura eu tinha lembrado a importância da Igreja Católica, e a esperança nela depositada, para o desenvolvimento da região, sendo esse o motivo que me leva a publicar aqui no blog esta pequena reflexão.
Na homilia da Vigília Pascal referiu a atenção com que é frequentemente vista a forma da intervenção da Igreja, em vez de ser dada ênfase ao conteúdo da mesma. Contudo, é a forma que me interessa agora analisar, porque na relação do Bispo com a sua comunidade a forma é indissociável do conteúdo, chega até a ser parte do próprio conteúdo. No Tríduo Pascal houve muita coisa que correu bem, mas é importante identificar/compreender também o que não correu bem. E as cerimónias na Sé, vistas a posteriori, exigem meditação adicional.
O problema principal (mais evidente neste passado Sábado à noite) é a distância, a falta de comunicação, entre quem dirige a cerimónia e quem está na assembleia. Deixe-me dar alguns exemplos, com franqueza construtiva.
- Uma vigília que começa às dez da noite e termina depois da uma da manhã não permite manter na Catedral o ambiente de atenção e recolhimento que é indispensável. Quando há vários "tempos-mortos" (o mais longo dos quais durando cerca de meia hora ininterrupta por altura dos baptismos), sem música, sem nada que ajude a assembleia a rezar, perde-se o sentido da presença no local. Os mais velhos mexem-se incomodados nas cadeiras, os mais novos trocam SMSs e partilham vídeos nos telemóveis...
- Quando os cânticos são proclamados de modo pomposo mais do que solene (especialmente o Precónio Pascal), a atenção da assembleia é dirigida para quem canta e não para o cântico. Pensar-se-á eventualmente "que bem que eles cantam!", e não "que bela é a música e a mensagem!". Especialmente no gregoriano, é fundamental que a pessoa se torne "invisível" para dar todo o relevo à música com que está a rezar. Porque está a rezar. É uma atitude de humildade discreta mas solene que julgo ter faltado ao coro e à sua direcção.
- Não foi boa ideia (ou melhor, foi mesmo muito má ideia) misturar a adoração da Cruz com a contribuição financeira sugerida. Percebe-se a boa intenção, mas cada coisa no seu tempo e no seu lugar. Tenho várias vezes escrito sobre a importância de se assumir o dinheiro como uma ferramenta indispensável para a solidariedade, como algo que deve ser tratado com simplicidade e desprendimento, por maioria de razão em ambiente religioso. Mas, lá está, a forma neste caso não foi feliz, pela confusão que pode provocar em quem não tenha assimilado completamente o sentido do gesto proposto. Foi má pedagogia.
- Faltou um sentimento de comunidade, fazendo com que a assembleia participe, mais do que assista. Eram mais adequadas, se calhar, cerimónias mais curtas e mais simples, mas em que se sinta que é o Porto que ali está em comunhão com o seu Bispo.
Por que é que estes detalhes das cerimónias são relevantes para o Porto? Porque são sinais de que as elites, também as religiosas, estão desinspiradas, distraídas, sem cumprir o seu papel. O Bispo é novo no Porto, mas a equipa que o auxilia não é. Se a equipa está adormecida, é importante que o Bispo não se deixe cair no sono! Não tenho dúvidas da enorme valia das pessoas que o apoiam na Diocese. Daí que, por este meio quiçá um pouco politicamente incorrecto, tente ajudar a tornar as nossas metas mais ambiciosas, a fazer com que os leigos e o clero do Porto se unam ao seu Bispo para, na Igreja, servirem de exemplo e motivação para a acção noutros campos da sociedade civil da região. Estou certo de que haverá Quem nos ajude neste propósito. :-)