De: Tiago Branco - "Eduardo Prado Coelho"
A propósito da morte desta figura ímpar do panorama cultural português, fiz uma pesquisa dos seus textos no Público e saliento este que aborda a situação do Teatro Municipal Rivoli.
"A Festa do Rivoli
Segundo os jornais, foi um êxito. A inauguração do novo Rivoli no Porto terá superado as mais avantajadas expectativas. Imagino a desmedida felicidade de Rui Rio, que finalmente encontrou um espectáculo à sua altura e conseguiu ir ao teatro. Já não era sem tempo. Há muito que ansiava por uma oportunidade assim para poder dar largas ao seu amor pela cultura. Ao cabo de porfiados esforços, e apesar da maledicência torpe de alguns intelectualóides totalmente infectos, que se aproveitam do seu acesso à comunicação social para bolsarem um veneno pestilento, conseguiu o que pretendia: que o Rivoli não estivesse entregue à escassa minoria das moscas cerebrinas, mas sim que transbordasse com um imenso e deslumbrante público, coberto de jóias e lantejoulas. Neste plano, há que salientar a presença sempre reconfortante de Lili Caneças ou de Cinha Jardim (não sei se estavam, mas é como se estivessem; aliás, onde está Lili Caneças está sempre o povo, como ela fez notar a propósito das marchas populares). v ao contrário do que acontecia antes, em que apareciam uns indivíduos andrajosos e pouco barbeados, ali era só gente vestida nos melhores costureiros, a tresandar Chanel e odores afins. E todos aplaudiram com entusiasmo Jesus Cristo Superstar, obra-prima da literatura dramática, que os grandes encenadores aspiram tremulamente a trabalhar. A partir daí as lotações estão esgotadas. E as dúvidas de Filipe la Féria sobre a sua permanência no Rivoli, caso a sua grande aposta falhasse mesmo que parcialmente, deixaram de ter razão de ser. O sucesso está à vista, e todos se sentem recompensados. Excepto aquela meia dúzia de algumas centenas de pessoas que tiveram o desplante de se plantarem à entrada.
Nada tenho contra La Féria, que tem o enorme mérito de encontrar sempre os pontos de partida mais banalizados e enxaropados para conseguir encher as salas meses a fio. Neste momento em Lisboa, passando por ele no Rossio, podemos até ver uma adaptação do êxito cinematográfico Música no Coração, com uma Julia Andrews mais flausina que imaginar se possa. Agora, custa-me um pouco que Filipe la Féria pense que está a fazer "grande teatro" (como disse ao DN) e que conseguiu reabilitar uma sala que estava decadente e mal apetrechada. E custa-me aceitar que Rui Rio suponha que está a "fazer cultura". Estão, quando muito, a fazer espectáculos de mero divertimento, indo ao encontro do que existe de mais estereotipado nos gostos de uma alta burguesia que não parece inclinada a grandes esforços mentais (nem todos são assim, reconheça-se). O grande teatro é outra coisa. É aquele que nos põe a pensar e a sentir o que nunca tínhamos pensado e sentido antes; é aquele que nos transforma nesse processo. É aquele que nos altera os traços do rosto e nos deixa no limiar do silêncio. Um espectáculo de Monica Calle num sítio esconso e desabrigado é mais grande teatro do que todos os espectáculos de La Féria. Um espectáculo da Cornucópia também. A programação de Serralves também, e não lhe falta público. A do São João tem, com Ricardo Pais, outro grau de exigência. Não se deve vender gato por
lebre."
21 de Junho de 2007, in Público
Um abraço
Tiago Branco